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Olhando em retrospecto, a estrada que levou o Los Hermanos ao sucesso nunca foi linear. No primeiro disco, lançado em 1999, eles apresentaram um repertório calcado no hardcore e fizeram da Anna Julia uma das garotas mais faladas do Brasil. Dois anos depois, eles mudaram o rumo estético com Bloco do eu sozinho, uma mescla corajosa de sons que, apesar das poucas vendas e do desprezo da gravadora, ganhou aura de clássico.

Com a moral garantida por uma turma que se identificou com o novo som da banda, o terceiro disco, Ventura, chegou em 2003 com a banda lotando diversos espaços pelo País inteiro. A enorme exposição e veneração de uma juventude carente de ídolos (Renato Russo havia morrido em 1996) transformou os Hermanos num grande fenômeno, de ego inflado e muito crédito na praça. No entanto, o nostálgico e perdido álbum 4 (2005) deixou claro que as coisas já não iam bem.

Até o momento, 4 é o último disco de inéditas do Los Hermanos, que, desde então, só volta a requentar os hits quando o porquinho seca. Com cada um para seu lado, quem se deu melhor foram os dois compositores do grupo, Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo, sempre dispostos a revisitar os tempos de espaços lotados. E este segundo é quem mais tem se dedicado a esse ofício.

Em sua curtíssima carreira solo, estreada em 2008 com o pretensioso Sou/Nós, Camelo lançou quatro trabalhos, sendo dois ao vivo. Como de praxe, projetos assim são um prato cheio para quem quer se escorar em hits. O mais novo projeto dessa lavra é o recente Ao Vivo no Theatro São Pedro (Universal), gravado em setembro de 2012 em Porto Alegre (RS).

Feito para encerrar a turnê Mormaço, Ao Vivo no Theatro São Pedro repete nove canções do seu antecessor, MTV Ao Vivo (2010), mas com um forte diferencial. Enquanto no primeiro, o cantor e compositor se cercava da banda Hurtmold, nesse segundo, as 20 canções (uma delas apresentada duas vezes) são apresentadas somente com voz e violão. Aqui e acolá, o músico suíço Thomas Rohrer contribui com sua rabeca.

O formato intimista, já bastante usado em discos nacionais, garante um apelo forte ao ouvinte. Tudo soa mais delicado, próximo, sutil. Com sua voz doce e melodiosa, Camelo transforma esse banquinho e violão em um belíssimo acalanto. A poesia inspirada, que já gerou comparações com cânones da MPB, deixa tudo ainda mais atraente. No repertório tem composições cedidas para seus intérpretes como Santa chuva e Cara valente (lançadas por Maria Rita); sucessos do Los Hermanos, como Casa pré-fabricada e A outra; e o filé da carreira solo, Janta, Pra Te Acalmar e outras. De inédito, apenas duas, Luzes da cidade e Dois em um. Por fim, como curiosidade, foi incluído o samba-canção Porta de cinema, composta pelo avô do músico.

Em cada uma dessas canções, alguns achados poéticos e melodias encantadoras. No DVD, há ainda o filme Dama da noite, dirigido por Jack Coleman, que capta imagens da intimidade de Camelo com sua esposa Mallu Magalhães, além de cenas com a banda Hurtmold. Sem narrativa linear ou depoimentos, as imagens se sucedem sobre as canções, compondo um grande vídeo clipe. O filme é um exercício de edição e síntese, que, assim como os discos, trazem uma ideia de despretensão e desapego. Mas, é bem verdade que tudo é muito bem planejado para que até os erros façam sentido. Dessa forma, Ao Vivo no Theatro São Pedro tem sim uma cara de egotrip, mas é também uma coleção de belas canções que merecem ser ouvidas.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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