ToTatiandoAntes de qualquer coisa, Zélia Duncan é mulher de muita fibra para encarar os desafios que se impõe. Foi assim que ela enfrentou os órfãos de Rita Lee para subir ao palco ao lado dos Mutantes. Foi assim também que ela interrompeu a linha pop dos seus discos, para gravar Eu me transformo em outras (2004), trabalho de tom camerístico, que se volta para um repertório de choros e sambas-canções. Ou ainda quando, no ano passado, gravou a homenagem ao compositor Itamar Assumpção (1949 – 2003), um dos “malditos” da Vanguarda paulistana.

E é de novo um desafio que ela propõe para seu novo trabalho, uma comemoração pelos 30 anos de carreira. Trata-se de um espetáculo onde o teatro fala mais alto e que se chama TôTatiando. No centro da história estão o compositor Luiz Tatit e os muitos personagens que criou desde que integrava o grupo Rumo. Como se fosse um rosário de esquetes, onde cada canção dá o mote para uma interpretação diferente, TôTatiando chega esta semana a Fortaleza, para uma temporada de quinta a domingo na Caixa Cultural.

Também integrante do movimento cultural oitentista Vanguarda Paulistana, que apresentou ainda Arrigo Barnabé e Premeditando o Breque, Luiz Tatit é membro-fundador e esteve presente nos seis discos do Rumo, junto com Ná Ozzetti, Geraldo Leite, Hélio Ziskind e outros. Mais do que cantor, compositor e músico, o paulistano de 62 anos é um estudioso da palavra falada e cantada, e tem título de doutor pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, onde também leciona.

ToTatiandoCom diversos trabalhos publicados sobre semiótica e música, Luiz Tatit tem um jeito diferente de tratar a palavra na canção. Ora melodiosa, ora seca e reta, a letra de Tatit já sugere uma interpretação cênica na hora que nasce. E é isso que Zélia Duncan explora no seu TôTatiando. Pensado para o ambiente de teatro, a peça meio show – ou vice-versa – é também a primeira experiência como diretora da atriz Regina Braga. No palco, a cantora se acompanha apenas dos músicos Webster Santos e Tércio Guimarães. A direção musical ficou com a já fiel companheira Bia Paes Leme.

Os textos que dão liga a TôTatiando são todos de Luiz Tatit, com exceção de uma bem-vinda intromissão de Mário de Andrade (1893 – 1945), com seu “Quando eu morrer quero ficar”. Bem humoradas, profundas e sensíveis, as histórias de Tatit vão ganhando outro viés no corpo e na voz de Zélia Duncan. O figurino preto e branco busca não roubar a atenção do público, que deve saborear com vontade o gosto de cada sílaba no meio daquela brincadeira lúdica, lírica e colorida.

Zélia conheceu a música de Tatit no meio da década de 1980, quando estava encantada pelo som da Vanguarda Paulistana. Na década seguinte ela conheceu o disco Felicidade, primeiro solo do compositor, lançado em 1997. “Ali, então, se concretizou na minha vida um vínculo com essa linguagem, essa maneira de lidar com a música, principalmente as canções que contam histórias, que sugerem um personagem”, lembra a artista na apresentação do projeto. Em seguida ela gravou algumas, como a pungente “A companheira” e “Capitu”. Outras devem entrar no repertório com esse mergulho proporcionado por TôTatiando. E não adianta pedir Catedral, Alma ou Me revelar. É só Tatit quem faz a cabeça de Zélia por enquanto.

Serviço
Quando: quinta-feira (3) e sábado (5), às 20h; domingo (6), às 19h
Onde: CAIXA Cultural Fortaleza (Av. Pessoa Anta, 287 – Praia de Iracema)
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). À venda no local
Outras informações: 34532770

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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