2410va0102

Eles começaram com nove, mas logo perderam um membro e cristalizaram a formação clássica. E já se vão mais de 30 anos desde que os Titãs botaram pra funcionar uma usina de criatividade musical e performática. Shows incendiários ajudaram a transformar clássicos esporrentos, como Clitóris, Porrada e Bichos escrotos em clássicos do rock nacional. Mas o tempo passou, eles cruzaram os 50 anos, casaram, tiveram filhos e decidiram amansar o discurso.

Isso explica o clima autoexplicativo de Purabossonova, quarto trabalho solo de Sérgio Britto (Som Livre). É isso mesmo: o tecladista de voz feroz, que solta os bichos em Polícia, acaba de lançar um disco onde o norte é a obra maior de João Gilberto. Tem também um sambinha aqui, uma baladinha ali, outra coisinha acolá, mas é “o macio azul do mar” que manda.

Sergio-Britto_PBN_capa-novo-CDE é verdade que, não só pela surpresa, trata-se de um bom disco. Produzido por Guilherme Gê e Emerson Villani, Purabossanova foi até abençoado por um dos papas do banquinho e violão. “Desde, sei lá, muitos anos, não ouço um disco tão gostoso”, é o que diz Roberto Menescal na apresentação do trabalho. A voz suja do roqueiro dá um charme às 12 faixas, que já abrem com uma sequência de cordas fazendo cama para um violão e uma letra falando de amor.

Não menos surpreendente é ver a voz ancestral de Alaíde Costa miando em Completamente triste. A carioca de 77 anos, que já foi uma das paixões de João Gilberto, é uma das convidadas de Purabossanova, assim como Luiz Melodia, que divide com menos brilho Como iguais. Dois dos melhores momentos do disco são Sol e água limpa, num encontro sublime com Marcela Mangabeira, e a ensolarada faixa título, que traz o “cha lá lá” de Rita Lee, a mais “bossa-nova” das roqueiras. Há ainda Roberta Sá e uma versão musicada da Canção do exílio, de Gonçalves Dias. Ao fim, tudo parece uma grande aventura musical, que tem sua beleza cheia de estranhamento para ser descoberta.

Inclassificável

2410va0112Mais acostumado às aventuras e descobertas musicais, Arnaldo Antunes também está de disco novo na praça. Depois de 20 anos de uma bem sucedida carreira solo, ninguém nem lembra mais que também foi um membro-fundador dos Titãs. Depois que largou a banda, o paulistano se alimentou da experimentação para criar obras herméticas e pérolas pop, sempre contando com o fiel Edgard Scandurra nas guitarras. O mais novo fruto desse trabalho é Disco, lançado pelo selo próprio Rosa Celeste com apoio do programa Natura Musical.

Disco chega um ano depois de um derradeiro e apagado Acústico MTV, que pouca gente viu e ouviu. Para quem participou do multiplatinado Acústico MTV dos Titãs, ver o seu próprio violão apagado pelo mercado deve ter sido frustrante. Por isso o novo trabalho veio com a ideia de discutir a importância desse objeto redondo metálico feito para ouvir música. A fragmentação e efemeridade das coisas modernas vem explicitada em O fogo, faixa de abertura de Arnaldo e João Donato, que conta com o piano de Daniel Jobim.

Arnaldo-Antunes-DiscoAs 15 faixas de Disco parecem seguir o ritmo de um dia qualquer, que amanhece tranquilo, ganha ritmo e multiplicidade, até anoitecer de volta na calmaria. Tanto que, ao longo das faixas, Arnaldo Antunes vai ganhando corpo em encontros valiosos. O melhor deles é com Céu e Hyldon, na funkeada Trato. Sem medo de ser tecnobrega, Ela é tarja preta é uma parceria com Felipe e Manoel Cordeiro. Adornada pelas guitarras insuperáveis de Scandurra, Sou volúvel é uma balada que parece ter sobrado de Iê Iê Iê. Para um cochilo de meio-dia, Morro, amor é uma tocante e inspirada parceria com Caetano Veloso.

Passado o descanso, Vá trabalhar conta com Fernando Catatau (sempre ele) para lembra que dinheiro não é tudo. Ah, mas assim vai ser difícil lembra os Titãs de fim de anos 1980. A tribalista Querem mandar é endereçada aos que ganham dinheiro usando mal a fé dos outros e se completa em Oxalá chegar, que traz o contracanto de Mônica Salmaso. Antes de encerrar, Disco traz a parceria punk com Nando Reis Sentido. Até que Acalanto pra acordar fecha o ciclo de um dia anunciando o sol que vem voltando. Inspirado na própria obra, cada vez mais jovem, Arnaldo Antunes se mantém vivo e de olhos abertos ao que lhe cerca e faz desse Disco um ponto alto da sua história.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles