20091013-jacques klein municipalContam que, certa vez, durante o carteado, um amigo de Jacques Klein se levantou da cadeira provocando um determinado ruído. “Arrastado em fá sustenido”, atirou Klein em tom certeiro. Logo, todos foram ao piano conferir o acorde, que estava correto. A história, com cara de lenda, não é o resultado de uma habilidade mágica ou bruxaria. O músico tinha o que se chama de ouvido absoluto, a capacidade de reconhecer qualquer som.

De fato, essa era uma das muitas histórias que contam do pianista Jacques Klein. Referência na música de câmara nacional, a história deste cearense de Aracati, município situado a 33 km de Fortaleza, mudou radicalmente há 60 anos. Inscrito no Concurso Internacional de Execução Musical, em Genebra, na Suíça, ele venceu outros 113 candidatos – vindos de 33 países – interpretando peças de Bach (Overture francesa), Beethoven (Sonata op. 111) e Chopin (Quarta balada), entre outras. A execução de Klein chegou a um nível tal de perfeição, que seu primeiro lugar foi uma unanimidade entre o júri. Há ainda um detalhe: desde 1948, o concurso não dava o primeiro lugar a ninguém. O máximo que se conseguia até então era o segundo posto.

Daí em diante, a história do menino que adorava a praia de Majorlândia tomou outra proporção. Reconhecido internacionalmente como concertista, ele viajou a Europa, Ásia e África, sempre com muito sucesso e críticas favoráveis. Chegou a colocar as mãos no seguro, cujo prêmio, na época, era de 100 mil dólares. Klein tornou-se um solista frequente em orquestras como a Filarmônica de Londres, a Sinfônica de Viena e a Filarmônica de Berlim. Com vários prêmios e homenagens, era sempre comparado a nomes como o polonês Arthur Rubinstein e o ucraniano Vladimir Horowitz.

jacques-klein-nelson-freire-arthur-moreira-lima-luiz-eca-pianistas-e-a-prof_1No entanto, mesmo correndo o mundo, a pequena Aracati não saía da sua rota. Afinal, foi ali que ele descobriu sua vocação. Contam que Jacques Klein, nascido em 10 de julho de 1930, tinha cinco anos, quando tirou do piano a melodia de Marcha do grande galo, de Lamartine Babo, usando um dedo só. A surpresa fez com que seu pai, pianista amador e fundador do Conservatório Alberto Nepomuceno, lhe matriculasse no curso de Dona Julieta Araripe, quando já moravam em Fortaleza. Da capital cearense, a família mudou-se para o Rio de Janeiro, onde Klein seguiu estudando no Conservatório Brasileiro de Música e com professores particulares. Entre eles, a professora Lúcia Branco chegou a assumir para a mãe do músico: “não tenho mais nada a ensinar ao seu filho. Ele já sabe mais do que eu”.

Na adolescência, Jacques Klein chegou a estudar para ser diplomata e pensou em largar a música. Mas a música não o largou e ele começou a se encantar pelo jazz. Montou um trio com dois amigos e chegava a torcer a cara para Beethoven ou Haydn. Também compôs com Dorival Caymmi, a quem dedicou um tributo instrumental lançado em 1953, pela Sinter. Nessa época, em Nova York, conheceu e tocou com o lendário Art Tatum. A jam session aconteceu ao som de Tico-tico no fubá, de Zequinha de Abreu, outro que ganhou um tributo de Klein, Evocação I (1979), dividido com Ezequiel Moreira.20090719-JACQUES

Aliás, essas são algumas das raríssimas gravações deixadas por Jacques Klein. São poucos discos, raras participações e poucas composições. Para compensar, realizou diversos concertos internacionais, foi diretor da Orquestra Sinfônica Brasileira e da Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro. “Felicidade seria encontrar em Fortaleza, cidade já com mais de um milhão de habitantes, uma estação de concertos ativa e grande”, sonhou o músico em entrevista ao O POVO, de 1979. Três anos depois, no dia 24 de outubro de 1982, ele morreria no Rio de Janeiro vitimado pelo câncer, sem ver seu sonho realizado. Lá mesmo, um mês antes, já bastante debilitado e precisando de apoio pra chegar ao piano, Jacques Klein realizava seu último concerto, ao lado da Orquestra de Câmara de Moscou. Um réquiem antes do fechar das cortinas.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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