DVD Carta de Amor VERT Gde - Maria Bethânia - foto Marcos Hermes 1Ao longo de quase 50 anos de carreira, Maria Bethânia já gravou 18 discos ao vivo. No primeiro deles, Recital na Boate Barroco (1968), a voz grave ganhava ainda mais intensidade com o instrumental poderoso e a já reconhecida postura teatral da artista baiana. Em seguida, vieram shows divididos com amigos (Caetano Veloso, Chico Buarque e Vinicius de Moraes entre eles) e registros das muitas turnês que ela fez. De uns anos pra cá, ela vem intercalando projetos de estúdio e ao vivo, que parecem sempre se repetir.

O mais novo exemplar dessa lista é Carta de amor, registro da turnê homônima, baseada no repertório do disco Oásis de Bethânia (2012). Lançado em CD duplo e DVD pela Biscoito Fino, o projeto foi gravado no Viva Rio em abril de 2013, quatro meses depois de ser apresentado no Centro de Eventos do Ceará. Dividido em dois atos, o espetáculo marca algumas mudanças sonoras da artista, já anunciados no álbum de estúdio. Uma delas é a presença de Wagner Tiso como maestro e diretor musical, no lugar de Jaime Além, com quem ela trabalhava há mais de duas décadas.

As razões para a mudança de maestro foram pormenorizadas por Maria Bethânia, mesmo que o público tenha presenciado algumas discordâncias entre os dois no palco. O fato é que a presença de Wagner, um pianista, no lugar de Além, um violonista, traz mudanças sutis para o show da baiana. Arranjos mais pop, com um pé no rock, marcam faixas como Na primeira manhã e Fera ferida. Para isso, eles também contaram com uma banda, que leva nomes ilustres como Gabriel Improta (guitarra e violão), Márcio Mallard (cello) e os cearenses Jorge Helder (baixo) e Pantico Rocha (bateria).

foldermmimagesCarta de Amor também traz alguns recados nas entrelinhas, que tornam-se claros para quem acompanhou as últimas notícias sobre Bethânia. Um deles é endereçado a quem criticou a artista por conta do projeto O mundo precisa de poesia, autorizado pela Lei Rouanet a captar R$ 1,3 milhões em 2011. Mesmo sendo uma convidada, ela desistiu do projeto e escreveu a longa carta musicada, que agora dá nome a este disco ao vivo. “É do ouro de Oxum que é feita a armadura que cobre o meu corpo. Garante meu sangue, minha garganta. O veneno do mal não acha passagem”, avisa. Pra completar, ela manda uma versão meio torta de Não enche, do mano Caetano.

No segundo ato de Carta de Amor, Bethânia se volta para casa e manda o segundo recado para a mãe, Dona Canô, falecida em 25 de dezembro de 2012. Começa chegando na Bahia, ao som de Dorival Caymmi (Dora), e segue com A nossa casa, Só vendo que beleza (Marambaia), A casa é sua e Minha casa. Ainda no recôncavo baiano, ela manda uma sequencia de sambas e batucadas que culmina em Reconvexo, do famoso verso “quem não rezou a novena de Dona Canô?”. Nesse momento, o show cresce junto com sua intérprete, cujo poder sobre o palco só fez se amplificar ao longo dos anos.

Maria BethâniaNo entanto, mesmo com momentos inspirados, Carta de Amor é, em si, mais um disco de Maria Bethânia, com todas as suas marcas registradas. Estão ali as declamações – dos portugueses Fernando Pessoa (1888 – 1935) e José Régio (1901 – 1969) – e canções clássicas de seu repertório, como Sangrando, Negue e Não dá mais pra segurar (essa, em versão a capela). A baiana também aproveita para registrar em vídeo sua interpretação para a canção Mensagem, intercalada pelo poema Todas as cartas de amor são. A faixa foi lançada no disco Imitação da vida (1997), que reforçou a paixão da cantora com a poesia de Pessoa, um dos seus preferidos. Mais uma vez descalça no palco, ela tira do chão a energia que leva até a garganta. Com essa energia, ela se defende dos inimigos e hipnotiza as plateias, que, mesmo com a sensação de déjà vu, não deixam de se encantar com sua presença.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles