Guinga 3Original, virtuoso, inovador, moderno, simples e complexo ao mesmo tempo. Estes são só alguns dos muitos elogios sempre dedicados ao violonista e compositor carioca Carlos Althier de Souza Lemos Escobar, mais conhecido como Guinga, apelido que traz desde a infância. Mas ele tenta não ligar muito para os floreios e se apresenta apenas como um operário da música, alguém que corre atrás para trazer o sustento para dentro de casa. “Eu odeio cabotinismo, não gosto de ficar me elogiando”, admite, por telefone, em tom sério.

No entanto, os elogios citados acima e muitos outros são poucos diante da obra de Guinga, construída com o apoio de parceiros como Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro e Chico Buarque. Músico autodidata, ele começou a dedilhar o violão com 13 anos e aos 16 já se arriscava a compor. Aos 26, tocou ao lado de Cartola na antológica gravação de As rosas não falam. Hoje, com 63 anos, ele acumula intérpretes como Elis Regina, Fátima Guedes, Ed Motta e Leila Pinheiro (que gravou o disco Catavento e Girassol, somente com músicas de Guinga e Aldir Blanc).

CoverMas a obra de Guinga transcende o popular e atrai admiradores no jazz e no erudito. É o caso do Quinteto Villa-Lobos, mais antigo grupo de câmara brasileiro, que homenageou o violonista no álbum Rasgando seda (2012), que será apresentado este fim de semana na Caixa Cultural. Formado por Rubem Schuenck (flauta), Luís Carlos Justi (oboé), Paulo Sérgio Santos (clarinete), Philip Doyle (trompa) e Aloysio Fagerlande (fagote), o Quinteto formado há mais de 50 anos divide o palco com o próprio homenageado para interpretar canções como Passarinhadeira, Nem mais um pio e O coco do coco.

“A minha formação não existe. Sou autodidata. A música que eu proponho é popular, mas o acabamento que eu dou pode ser comparado ao de música de câmara”, reconhece Guinga citando Tom Jobim como outro exemplo desta linhagem. “Eu tento fazer uma música rica e já tive outras experiências assim (juntando o erudito e o popular)”. Ainda assim, o violonista não deixa de se orgulhar com a homenagem do Quinteto Villa-Lobos. “É um disco atemporal, de compromisso com a música que eles gostam e que eu também gosto e admiro. Como eu toco com o Paulo Sérgio (Santos) há 25 anos, é uma união que já vem sendo anunciada há muito tempo”.

Odontólogo de formação, Guinga aposentou o consultório há cerca de 10 anos e passou a se dedicar mais à música. Por isso, esse encontro com o Quinteto já passou por lugares como Cartagena, Alemanha, Eslovênia e diversas cidades brasileiras. Embora tenha ido muitas vezes ao exterior, a modéstia pede que ele reafirme que não é um sucesso. “Tenho muito convites pra tocar lá fora, mas é tudo trabalhar e correr atrás. Nada cai do céu”. Para o músico, que já teve música gravada até pelo pianista francês Michel Legrand, o Brasil é muito pouco famoso lá fora. Só em determinados nichos há público garantido. “Não é todo dia que tu lota um teatro”.

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E no Brasil, apesar do currículo, Guinga não vê as coisas mais fáceis. Apesar dos 12 discos lançados (tirando os tributos de Leila Pinheiro e Marcus Tardelli), para muitos, ele ainda é considerado um ilustre desconhecido. “Na realidade, existe uma diferença entre fazer sucesso e ser bem sucedido”, justifica com tranquilidade. “Acho que o Guinga nunca foi vendedor de discos. Mas, se você for ver minha carreira, é muito bem sucedida. Sou muito bem resolvido artisticamente”. E acrescenta: “Pra minha felicidade a minha obra não corresponde à cronologia do meu tempo. Eu passo, mas minha obra continua”.

Ainda assim, ele sabe do respeito que lhe dedicam dentro e fora do seu País. Compondo, tocando ou cantando com sua voz peculiar (“o Sérgio Mendes diz que eu tenho fumaça na voz”), Guinga arregimenta um time respeitoso de admiradores e até se surpreende com isso. Foi o que aconteceu no mês passado, quando foi convidado para dividir o palco com a jazzista norte-americana Esperanza Spalding. Foram noites de casa cheia e fila na porta. “Me senti por um momento como o Michael Jackson. Será que é hoje que vão rasgar minha roupa?”. Não chegaram a tanto, mas logo ele tirou uma lição do fato. “O importante é você se posicionar dentro disso. Saber que não é rei nem plebeu, tentar fazer as coisas com dignidade”.

Serviço
Guinga e Quinteto Villa Lobos – Rasgando Seda
Quando: sexta-feira (21) e sábado (22), às 20h; domingo (23), às 19h
Onde: CAIXA Cultural Fortaleza (Av. Pessoa Anta, 287 – Praia de Iracema)
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). À venda no local
Outras informações: 3453.2770

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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