Na música, ao longo de pouco mais de 10 anos, Iara Rennó esteve à frente de diversos projetos que chamaram atenção na cena underground brasileira. Principalmente naquela cena que se faz em São Paulo, sua terra natal. Em 2001, ela se juntou com Andrea Dias, Anelis Assumpção, Gustavo Ruiz e outros para montar o grupo DonaZica, que rendeu os discos Composição (2003) e Filme Brasileiro (2005). Em 2008 foi a vez da ambiciosa Macunaíma Ópera Tupi, que se desdobrou em um espetáculo do Teatro Oficina e num disco (2010), inspirado no herói torto de Mário de Andrade. Em 2012 teve ainda o projeto carnavalesco A.B.R.A Pré-ca – Amigos Bandidos Residentes no Amor Pré & Carnaval, feito com Cibelle, Rubinho Jacobina e a banda Do Amor.
No entanto, quem pular as fixas direto até a releitura de Roendo as unhas pode tomar se assustar com o clima assustador da releitura. Isso por que Iara foi construído sobre um terreno sonoro árido e quebradiço, embora perfeitamente frutífero. Produzido por Moreno Veloso, o disco remete ao conceito dos transambas colocado recentemente por Caetano Veloso quando da montagem da BandaCê. Seguindo no percurso do ídolo baiano, Iara Rennó pegou a guitarra e montou seu power trio com Ricardo Dias Gomes (baixista da BandaCê que aqui assume um mini-sintetizador) e Leo Monteiro (bateria, percussão e ruídos).
“Só faltavam asas e agora já não falta quase quase nada”, revela Iara Rennó, com sua voz peculiar, na faixa Já era, que abre o disco. Introduzida com guitarra, depois bateria e ruídos, a faixa entrega as intenções roqueiras de Iara, que se furta o direito de brincar com outros ritmos. Seu José, por exemplo, poderia ser um samba sobre o dono da venda da esquina. Mas transformou-se num rock amorfo, calcado num simples riff de guitarra e no vocal lisérgico que reforça a história louca de uma coçada no calcanhar.
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=_gQDkh0GSQ0&feature=c4-overview&list=UUwiYp8UAi3Nol-WSodePgEA[/youtube]Aliás, lisergia talvez seja o elemento básico que guia Iara entre tantos estilos, sem se apegar de fato a nenhum deles. Outros tantos, por exemplo, vem em duas versões, onde uma puxa para a bossa e a outra para o punk. E há ainda experimentações curiosas, como a enérgica Miligramas, onde a voz performática da cantora desliza sobre um instrumental seco de bateria e ruídos. Ou ainda Arroz sem feijão, uma mistura de Maysa e Adoniran Barbosa com Kraftwerk. Se parece improvável, tal mistura é só um petisco para uma artista que, seguindo o rumo da família, foge das regras simplistas do mercado fonográfico e se mostra audaciosa em seu disco de estreia.