Adriana Calcanhotto .jpg_redDepois de Marítimo, disco de forte pegada pop e cheio de percussões, Adriana Calcanhotto lançou o ao vivo Público, se acompanhando apenas do próprio violão. Cercada de canções inéditas, releituras e regravações, ela ressurgiu no palco em arranjos puros, simples e sem adornos, e fez muito sucesso vendendo mais de 100 mil cópias. Depois dessa viagem camerística, os discos da compositora gaúcha foram ficando mais delicados, introspectivos e silenciosos. Agora, depois de 14 anos, ela está de volta ao formato banquinho e violão no recente Olhos de onda.

Apesar de repetirem o formato, Público e Olhos de onda apresentam duas cantoras bem diferentes. Agora, a artista se mostra mais contida e séria dentro de um longo vestido verde-água. No lugar dos remixes que usou 14 anos atrás, ela agora repousa os pés sobre uma pilha de livros. Uma das razões para tantas mudanças talvez seja o fato do novo trabalho partir de um incômodo. Depois de sofrer uma lesão na mão direita, ela precisou se afastar do violão por cerca de um ano e meio e chegou a esquecer como tocar seus próprios sucessos. Nesse tempo, Adriana Calcanhotto lançou Micróbio vivo, acompanhada por um trio de músicos e, pela primeira vez, aparecendo em cena sem o instrumento que conheceu na infância, na casa da avó.

“No início, pareceu desconfortável fazer o show sem violão, mas também fiquei solta para tocar secador de cabelo e caixa de fósforos”, lembra Adriana, por telefone. O impulso que faltava para ela voltar de vez ao violão surgiu com um convite de Portugal, para que ela apresentasse um show acústico. “Eu não resisti”, confessa ela, que partiu para recuperar a “memória muscular” e relembrar suas canções. O começo foi pelas conhecidas, como Inverno, Esquadros e Vambora e, nesse exercício, saiu uma inédita. “Pela inércia, saiu o Olhos de onda e o nome do show é esse por que aponta para um futuro”, explica.

Diferente de Público, que foi feito para virar CD e DVD, Olhos de onda nasceu para ser show e, só depois, ganhou o registro feito em fevereiro no Viva Rio. O vídeo, dirigido por Dora Jobim e Gabriela Gastal, busca aproximar o espectador da cantora que está no palco sem cenário ou cores. São muitos closes que ressaltam detalhes como um piercing no dente e um par de belos olhos claros. Sem falar muito, ela mantém a seriedade e o olhar altivo de quem desafia a plateia a entender sua solidão sobre o palco. Apenas ao final ela convida as pessoas a fazer pedidos, que atende à medida que entende algum em meio aos gritos. “Eu posso ficar aqui a noite toda”, adianta.

Em Olhos de onda, Calcanhotto reprisa Devolva-me e Maresia, dois principais sucessos de Público. Com o violão sem virtuoses e a voz cristalina, ela dá novos caminhos para Back to black e Me dê motivo, desafiando os vozeirões de Amy Winehouse e Tim Maia, responsáveis pelas gravações originais. Até então inédita na discografia oficial da cantora, Maldito rádio, canção feita em homenagem a Ângela Maria e registrada na trilha da novela Cheias de charme, tem a participação de um rádio manipulado por um personagem desconhecido.

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Apesar de usarem a mesma fonte no título, Adriana Calcanhotto não alimenta comparações entre Público e Olhos de onda. “Nem tinha pensado sobre isso por que não olho para traz. As pessoas que ficam dizendo”, justifica sem dar muita importância. No entanto, ela não nega a admiração por Caetano Veloso, de quem reinterpreta O nome da cidade. “É um ídolo. Tinha uma época que eu dizia que ele era minha bússola. Caetano não me influenciou mais que o Lupicínio (Rodrigues), que é mais sub-reptício, mais implícito. Mas sim, é uma grande influência”, explica citando o ao vivo Totalmente demais, também feito somente com voz e violão, como um dos seus favoritos. “Não é um disco só de sucessos. As pessoas estão ali, recebendo alta poesia e depois vão ouvir o que quiserem”.

Diferente do que suas músicas possam passar, Adriana Calcanhotto tem fala rápida e não entrega além do que julga necessário. Sobre a nova turnê, que passou por Fortaleza em julho do ano passado, ela apenas diz que está gostando de cantar no Brasil e deve refazer algumas cidades. Mesmo ainda sentindo algumas dores, mais algumas canções estão chegando ainda sem plano de chegar ao público. “Tenho composto, por conta dessa inércia do violão. Passo som de tarde, faço show de noite. Num dado momento, acaba saindo uma música. Se eu vou parar (de compor), não vai ser agora”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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