* Matéria publicada na revista O POVO Cenário Nº 5

4e282d6457e0dSeu rosto é pouco conhecido e ouvir sua voz cantando é coisa para muito poucos. Além disso, em 40 anos de carreira, completados no dia 1º de outubro deste ano, foi apenas um disco lançado com seu rosto na capa. Dezenas, talvez centenas, de outros discos foram lançados com sua assinatura, mas ela sempre estava no rodapé da contracapa. Ainda assim, José Milton é um dos maiores vendedores de discos do Brasil.

Reconhecido como um dos mais importantes produtores fonográficos do País, esse fortalezense nascido em 31 de agosto de 1945, na Rua Padre Francisco Pinto, no bairro Gentilândia, já trabalhou ao lado das maiores estrelas da música popular brasileira. Cauby Peixoto, Alcione, Ângela Maria, Miúcha, Chico Buarque, Cristovão Bastos, Miltinho são só alguns nomes desta lista.

Filho de um funcionário do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC), José Milton partiu do Ceará ainda pré-adolescente, quando o pai foi transferido para Recife. Foi lá que o interesse pela música começou a se evidenciar e, tempos depois, foi trabalhar na Rádio Jornal do Comércio. Também cantou e tocou na noite pernambucana, apresentando um repertório formado pelo fino da música brasileira: Tom Jobim, Haroldo Barbosa, Ary Barroso, Ataulfo Alves e outros.

406542Apesar de ter gravado alguns compactos, José Milton lançou apenas um LP. A uma dama transitória saiu em 1976 e contou com a nata da música instrumental brasileira. Os arranjos de José Briamonte e Eduardo Souto Neves foram executados por gente do nipe de Geraldo Vespar, Wilson das Neves e Gilson Peranzzetta. A faixa título é uma melodia de Capiba sobre letra de Ariano Suassuna. Nas outras 11 faixas, composições de Ivan Lins, Sueli Costa, Eduardo Gudin, Ismael Neto e outros. Uma curiosidade: ali está a primeira gravação de Bolero de Satã (Paulo César Pinheiro/ Guinga), que depois ganharia a voz de Elis Regina.

A uma dama transitória até rendeu apresentações e, em 1979, José Milton integrou a caravana do Projeto Pixinguinha. Mas o fato é que o disco não aconteceu e ele pode se dedicar ao trabalho de produtor, que já vinha desenvolvendo desde outubro de 1973. A estreia do cearense nesse ofício aconteceu com a Banda de Pau e Corda, grupo recifense que se dedica à valorização da música e da poesia nordestina. O trabalho lançado pela RCA Victor deu tão certo que a parceria entre banda e produtor durou outros discos lançados ao longo de mais de 10 anos.

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Fagner, José Milton e Zeca Pagodinho

O que aconteceu daí em diante é uma história de muitos prêmios, trabalhos e amigos. Raimundo Fagner não lembra quando começou a parceria com Milton, mas admite que o fato dele ser cearense ajudou na identificação. “Fizemos vários trabalhos marcantes, incluindo o duplo ao vivo que gravei no Dragão do Mar. Esse foi um dos momentos mais especiais da minha carreira”, confessa o cantor que ainda dividiu com o amigo de boemia a produção do disco Baião de Dois. Feito para comemorar os 100 anos de Luiz Gonzaga, o disco proporcionou o encontro do Rei do Baião como jovens artistas como Zeca Pagodinho, Ivete Sangalo e Zélia Duncan.

A cearense Lucinha Menezes também provou e gostou do trabalho de José Milton e, hoje, brinca dizendo que não o larga mais. “O José Milton é um mago, por que ele sabe dizer com palavras o que eu tenho que fazer com a voz. Ele até gosta de ouvir opinião, mas é teimoso. Convencê-lo é difícil”, revela a cantora, que até teve que garimpar o registro de Palavra doce, para incluir a sugestão do produtor em seu disco Pintando e bordando (2008). A composição de Mário Travassos só havia sido gravada por Mário Reis na década de 1960 e, há tempos, o compositor havia falecido. Depois de uma ampla investigação, Lucinha encontrou uma sobrinha de Mário, que, orgulhosa, liberou a gravação.

Chico Buarque e José Milton

Chico Buarque e José Milton

Um marca registrada do trabalho de José Milton como produtor é a capacidade de extrair o melhor de cada intérprete, fazendo com que voz, instrumentos e repertório soem em harmonia. “Ele sabe falar as palavras certas e os músicos entendem”, resume a cantora Miúcha. “Como ele adora cantar, ele adora ensaiar com a gente. E é muito bom você ter um produtor que está na mesma onda que você. O Zé é um cara da antiga, sabe exatamente como microfonar os sopros e tem um ouvido do cão”, acrescenta ela, que indicou o amigo para produzir uma homenagem ao poeta Vinicius de Moraes, que vai render um disco e um show aberto no Rio de Janeiro.

Batizado como A vida tem sempre razão, o tributo celebra o centenário do Poetinha, com a adesão de grandes artistas nacionais. Renato Braz dá voz a Samba em prelúdio, Nana Caymmi revive Janelas abertas e Arlindo Cruz bota ginga num pot-pourri que junta Formosa e Pra que chorar. Com a bênção de Vinicius, o produtor cearense comemora seus 40 anos de profissão fazendo o que mais gosta: reunindo amigos pra fazer boa música.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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