unnamedDesde que estreou no mercado fonográfico, em 1997, a cantora Rita Ribeiro fez questão de deixar claro que encara a música como uma profissão de fé. Isso ficou ainda mais óbvio em Tecnomacumba, de 2006, quando botou Jorge Benjor e Dorival Caymmi para dançarem no mesmo terreiro. O disco rendeu sucesso, reconhecimento e grandes shows para a maranhense. Rendeu ainda a fama de macumbeira e a censura da prefeitura de Campo Grande (MS), que não permitiu a apresentação da artista no evento público batizado de Quinta Gospel, em agosto de 2014.

Mesmo sem se deixar abater pelo veto, Rita, assumidamente adepta das religiões de matriz africana, questionou suas próprias convicções para poder seguir em frente. É desse processo de pergunta e resposta que nasce o disco Encanto (Biscoito Fino), uma bandeira contra perseguições e preconceitos religiosos. Produzido por Felipe Pinaud e Lancaster Lopes, o álbum também abre um novo momento da história da intérprete, que agora assina como Rita Benneditto, uma adaptação do nome do pai (Fausto Benedito) com letras dobradas pela numerologia.

“Como havia expectativa por um volume dois do Tecnomacumba, quis fazer uma coisa a mais, dar continuidade ao projeto e abrir o leque para novas possibilidades”, explica, por telefone, a afilhada artística de Zeca Baleiro que usou os lençóis maranhenses como cenário para as imagens que ilustram o disco. Com reggae, rock, tecno e outros ritmos, Encanto vasculhou todas as crenças brasileiras em busca de quem cantou o místico e o transcendente. De Heitor Villa-Lobos, ela pescou Estrela é lua nova, que vem colada à Batmacumba de Gilberto Gil. Ainda do compositor baiano, ela traz Extra, com participação da banda Reggae B, do paralama Bi Ribeiro, e leitura do padre jamaicano Priest Tiger.

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Nome que já fazia música gospel desde antes do termo entrar na moda, Roberto Carlos cedeu a canção , de 1978. “Penso em Roberto como um cara de fé e não só como aquele cara de Nossa Senhora. Ele é um dos grandes nomes do rock, transgressor, apesar da carreira ter levado para outros caminhos”, comenta Rita Benneditto que transformou a parceria do Rei com Erasmo Carlos num rock pesado. Do catolicismo à umbanda, Clara Nunes é relembrada em Banho de manjericão, que conta com a presença do babalorixá Oboromin T’ogunjá incorporando o Pai Benedito das Almas de Angola. “Nem diria que a Clara é a cantora mais emblemática para mim, mas foi ela quem assumiu toda a propriedade sobre essa religiosidade”.

Encanto traz ainda participações de Roberto Frejat, tocando guitarra em De mina, e Arlindo Cruz, dividindo a inédita O que é dela é meu. Do samba ao rock, passando por uma leitura eletrônica de Babalu, sucesso de Ângela Maria, o disco coloca todas as unnamed4crenças na mesma pista de dança, sem preconceitos ou conflitos. “Sempre foi esse o lance. Desde o Tecnomacumba, entendi que a melhor forma de levantar uma bandeira é de forma leve. A música tem poder. Pode ser onde for, ela transforma”, justifica deixando claro que a ideia é mesmo passar uma mensagem.

Se o termo gospel vem da expressão “God spell” (Deus fala), Encanto pode muito bem ser enquadrado neste rótulo, mesmo apontando para muitas religiosidades. No entanto, Rita Benneditto questiona a forma como o termo tem sido tratado. “O pessoal do gospel talvez seja mais segmentado. Eles falam, vestem e cantam gospel. Nesse sentido, não faço mesmo (música gospel). O que eu faço é transcendental a tudo isso. O que eu faço é música”, resume acrescentando que, como irmã de pastor evangélico, não pretende assumir discurso contra nenhuma religião.

Já contra o fato de ter sido censurada em Campo Grande, ela tem críticas sim. “O que foi bom nessa discussão foi por que ficou claro como o dinheiro público está sendo usado. Se as pessoas ficarem muito presas a dogmas, projetando suas vidas nos pastores, elas não vão a lugar nenhum. Não sou cantora de macumba. Sou uma cantora de música brasileira e posso cantar o que quiser. Não tenho intenção de converter ninguém”, encerra a conversa.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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