O POVO – Seu Acústico MTV mostra bem isso, com vários parceiros internacionais.
Lenine – Tem sim. Por você acaba se esbarrando. Esses festivais, principalmente na Europa, acontecem ou no verão e, depois, se você tem uma resposta bacana, você migra e vai pra outros festivais que acontecem no outono, no inverno. Aí, são mais específicos, menos celebrativos, digamos assim. Por que, no verão os caras têm três meses. Então, o músico que toca importa, mas importa mais ou menos. O cara ta ali celebrando sol, velho. Os festivais de outono e inverno não, que geralmente são em teatros. Você tem um público que é diferenciado. Então, eu fui, ao longo dos anos, de alguma maneira, pulverizando o que eu faço em vários nichos diferentes. Não só na música popular e no rock, ou na world music, mas também na música acadêmica, com orquestras. Isso abre um leque de possibilidades e eu adoro. A gente está lançando agora o Carbono, mas eu já sei que, até o final do ano, já vai ter umas duas ou três experiências que envolvem outras coisas completamente diferentes. Com núcleos completamente diferentes. Isso eu faço sempre e gosto. Me sinto mais vivo sabendo disso. Sabe aquele jogo War? Eu tenho a tabela do War e só falta conquistar a Oceania. É muito bacana, fazendo o que eu faço, gostando imensamente do que faço a ponto de continuar me divertindo e tendo essa certeza de que é um passaporte poderoso. Só Pantico (Rocha, baterista), que tá comigo há mais de duas décadas, pergunta em que países ele já esteve. E é bacana por que, na maioria, esses festivais são hippies, digamos assim. Todo mundo come junto. É uma outra cultura. Você, realmente, troca. Tocamos juntos Asian Dub Fundation, Massive Atack. Aí você come junto, janta junto. Isso também é uma puta experiência, uma qualificação. E tem essa coisa bacana de você não estar sozinho, de não ter muito essa distância, que você acha que tem. As coisas são muito menores do que a gente imagina. Tem sido uma constante na minha vida.
O POVO – E com a internet, o mundo diminuiu. O público do mundo inteiro pode ter acesso à música do Lenine.
Lenine – É, mas, quando eu comecei não tinha isso e não tinha o euro. Aí, nas turnês que eu fazia, eu saía com o “xequerê local”, como a gente chamava. Eu saía com uns saquinhos (de dinheiro), chegava e dizia, “qual é a grana daqui?” “Aqui é a libra”. Opa! Era uma complicação. Na mesma semana, você cruzava por três ou quatro países.
O POVO – O que mudou na visão do exterior em relação à cultura brasileira?
Lenine – Ah, já mudou bastante. A gente sofre também dessa expectativa generalizante de “o país tropical das bundas”. Existe isso, mas no futebol a gente já se fudeu (gargalha). Já teve um sete a um (na final da Copa do Mundo) que ninguém vai esquecer mais. Em compensação, a gente está há vinte anos numa hegemonia no vôlei e ninguém celebra isso como deveria celebrar. Acho que tem essa coisa. O Brasil começa a ser descoberto, mas o próprio brasileiro começa a descobrir o Brasil, que eu acho que é mais importante. É essa parte do próprio brasileiro médio ter a dimensão real do que é este continente chamado Brasil. Nós que somos felizardos e que viajamos, mesmo assim, a gente não conhece.
O POVO – Há alguns anos, um grupo de compositores se organizou no Procure saber e a pauta que acabou chamando mais a atenção foi a questão das biografias. Você está na foto da Associação, no perfil do facebook. Qual sua opinião sobre toda a discussão que girou em torno do grupo?
Lenine – Você vê como são as coisas. O Procure Saber não surgiu por conta da biografia. A biografia é por causa de Roberto (Carlos) e todo mundo bateu de uma forma insana. Pela primeira vez, um grupo de criadores se reuniu em torno de uma coisa pra tentar entender. Todo mundo bateu o pau. É benéfico pra muito que estejamos isolados. O Procure Saber, que a gente pode chamar agora de “saiba procurar”, é a tentativa da classe de trocar informação. De entender e questionar o que é isso de nuvem. Que negócio é esse de digital. Por que as leis anacrônicas no analógico migraram para o digital dessa maneira? Você vê a incongruência. A gente só quer transparência e entender o que a gente faz. O Procure Saber é essa procura do que é comum a todos e, sob essa égide, transformar transparente o que é obtuso, escuro e oculto. No Brasil, as rádios ainda são por amostragem. Hoje, qualquer nerdizinho tem um software pra identificar a música quando ela toca dois compassos. Ainda hoje, ficam anotando num papelzinho. Escolhem, no meio de 30 rádios, cinco pra fazer uma audição e uma projeção de estimativa. A gente está em 2015, gente! Então, existe um anacronismo muito grande que, associado à falta de interesse de nós criadores, se perpetuou. E ta na hora da gente tomar pé da situação e entender o que foi feito em nosso nome, e o que está se perpetuando em nosso nome, nós criadores.
O POVO – Você é um conhecedor e criador de orquídeas. Como começou essa história?
Lenine – As minhas orquídeas estão a uma hora e pouco da Urca, num sitiozinho que eu tenho na região serrana do Rio. Eu sempre fui um ser litorâneo e não tinha essa descoberta. Por conta dos filhos terem começado a crescer, eu e minha parceira pensamos “a gente podia ter um lugarzinho onde pudesse ver os meninos crescerem, plantar um pomar, fazer um negócio”. Compramos um sítio e a primeira coisa que eu fiz, como ele estava há muito tempo fechado, foi ver o que tinha ali. Aí fui vendo as espécies botânicas que tinham ali. Pra minha sorte, tinha uma planta estranhíssima agarrada numa árvore. O que é aquilo? O caseiro da época disse “há! isso é um parasita, tem muito aqui”. Como tava começando o negócio do São Google, aí foi uma paixão fulminante. Descobri esse universo, a especificidade dessa planta, o endemismo associado às minhas turnês, então passei a catalogar associados aos shows que faço.
O POVO – E como está esse catálogo?
Lenine – Virou um banco de memória. Eu parei de contar depois das cinco mil plantas. Cada uma tem uma etiqueta dizendo que espécie é, onde ocorre – eu preciso saber a altitude e a umidade necessária –, quem me deu, quando eu ganhei, portanto relacionado ao show que fiz. Então, qualquer época do ano, quando eu vou no orquidário, eu tenho ali entre 40 e 80 flores diferentes, por que elas são de tempos diferentes, lugares diferentes e florem em tempos diferentes. Eu não sei tudo de cór, então eu vou lá e vejo. “Essa aqui quem me deu foi Dona Beatriz, em Belém, quando eu fiz o Falange canibal”. Então tem esse banco de memória afetiva, que está associado a esse cultivo de plantas. Não sei… Essa paixão foi reverberando de tal maneira que ela não apazigua. Sempre aumenta.
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