Por Paulo Renato Abreu (paulorenatoabreu@opovo.com.br)

Enquanto o País vive o “radicalismo” político de pessoas que pedem a divisão nacional, o rapper paulista Emicida se une a Caetano Veloso para cantar Baiana. “Eu aviso: tem o Emicida, que é de São Paulo, mas prefere louvar a beleza de Salvador. Os paulistas têm de agradecer muito ao povo nordestino”, afirma o cantor, que acaba de lançar Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, segundo disco de estúdio.

Apesar de dar voz a dilemas nacionais, o álbum se centra em histórias nascidas do outro lado do Atlântico. O continente africano é o protagonista do CD que teve canções gravadas em Angola e Cabo Verde, com instrumentistas locais, durante viagem que o rapper fez aos países em março deste ano. O trabalho celebra a primeira década de carreira de Emicida e é emblemático por ser lançado no ano em que países da África lusófona comemoram 40 anos de independência.

“Muita gente ainda tem o estereótipo da África como o lugar primitivo que precisa ser salvo pelo Indiana Jones ou Tarzan”, critica, ressaltando que os livros de história só falam “que os africanos foram escravos e ponto final”, sem destacar a riqueza do lugar. “É um continente forte pra caramba, mas muita gente ainda observa a África só pelo filtro europeu”, diz. Para Emicida, é preciso visibilizar a diversidade da cultura afro. “Os pretos são mil coisas. O mundo entendeu errado a achar que nós somos uma coisa só”.

O clipe de Boa Esperança, primeiro single do novo álbum, apresenta uma rebelião de empregados domésticos negros contra patrões brancos. O vídeo recebeu críticas por cenas consideradas violentas. “O clipe é um desabafo. Apologia à violência é o preto trabalhar muito sem conseguir crescer, enquanto comem o dinheiro dele”, rebate.

Além de Caetano, a cantora Vanessa da Mata também participa do álbum. “São nomes fortes da MPB que estão próximos do nosso trabalho. Dizem que somos a ‘nova MPB’, mas é um termo vago, a música brasileira é muito mais rica, é rap, é forró, é brega”. E se no disco anterior, Glorioso retorno de quem nunca esteve aqui, o cantor foi acusado de machismo pela faixa Trepadeira, no novo álbum, ele traz a rapper Drik Barbosa para cantar o “feminismo das pretas”. “A gente tem que sair da frente, não ser um problema na caminhada delas”.

Apesar do sucesso entre crítica e público, Emicida conta ainda sofrer preconceito no meio cultural, “que é muito elitista”, ele diz. “Tratam do hip-hop como se fosse subcultura. Mas o hip-hop existe há mais de 30 anos no Brasil e nunca se dobrou a isso”, finaliza. Para ele, a luta para visibilizar a população negra e o continente africano está só no começo. “Mais pessoas têm se posicionado, têm sentido mais orgulho da cor da pele, do cabelo crespo”, comemora.

Opinião: Direto e diverso
O álbum soa universal nos temas e nos ritmos. É diverso, pode agradar até aos ouvidos não acostumados a discos de rap. Entre os destaques, a direta e necessária Boa Esperança (Vocês diz que nosso pau é grande/espera até ver nosso ódio). A dançante Mufete, cujo clipe apresenta bastidores da viagem ao continente africano (Gente, só é feliz/ quem realmente sabe, que a África não é um país). Em Mãe, faixa que abre o disco, o rapper traz novamente dona Jacira, sua mãe, para completar com versos. Já o reggae Passarinhos (com participação de Vanessa da Mata) é mediano, apesar da letra bonita.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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