Não há novidade em gravar disco em homenagem a Tom Jobim, isso é verdade. Dono de uma das obras musicais mais importantes e perenes do planeta, o maestro definido por Chico Buarque como “soberano” já foi cantado e tocado por meio mundo de artistas, da divina Ella Fitzgerald aos sertanejos Chitãozinho e Xororó. Seja da porção mais palatável e radiofônica, sejam jóias raras que só os mais atentos conhecem, a obra do carioca que deu nova bossa ao samba virou um patrimônio internacional.

Mas há muita legitimidade em Danilo Caymmi canta Tom Jobim. O songbook lançado pela Universal Music tem um quê de “filho pra pai”, pois trata-se de tributo prestado por alguém que conviveu durante uma vida inteira com o homenageado. Tom, que teria completado 90 anos em 25 de janeiro deste ano, era muito amigo de Dorival Caymmi, pai de Danilo, e eles até solidificaram essa amizade com o disco Caymmi Visita Tom. Não por acaso, foi neste álbum de 1964 que aconteceu a estreia profissional de um certo flautista. Era Danilo.

“São homens maravilhosos que têm em comum, a generosidade, a simplicidade e o entendimento do povo, a ciência de se estar fazendo música popular”, pontua Danilo sobre o pai (que ele homenageou no ótimo disco anterior) e Tom Jobim. Ao lado deste, o carioca de 68 anos dividiu muitos shows quando integrava a Banda Nova, que acompanhou o bossanovista a partir de 1984. E foi nesse período que Danilo, que entrou como flautista, levou mais a sério o papel de intérprete. “Minha abordagem da obra do Tom o agradava muito. Ele que descobriu essa minha habilidade (de cantor) e eu solava o Samba do Avião e o A Felicidade. Ele gostava da minha interpretação”.

E foi pra explorar essa interpretação que Danilo pensou no disco que está lançando. Com arranjos simples feitos com o violão de Flávio Mendes e o violoncelo de Hugo Pilger, ele canta e toca flautas em 11 faixas escolhidas segundo os critérios mais pessoais possíveis. “O disco tem homenagens à minha mãe, que gostava muito de Por Causa de Você”, revela ele que é padrinho de Maria Luíza, filha mais nova de Tom. Sem arroubos ou excessos, Danilo Caymmi canta Tom Jobim foge da obviedade da bossa nova, mesmo trazendo clássicos do gênero como Ela é Carioca e Água de Beber.

“O disco não tem piano, percussão, não é bossa nova. Ele centraliza na beleza da canção, da letra. Até o silêncio foi explorado. Tudo que pude explorar, além da própria música, eu explorei”, explica Danilo que aborda momentos mais pungentes – como As Praias Desertas – e outros mais coloridos – como Estrada do Sol, que ganhou a voz de Stacey Kent e um solo de flauta de Jim Tomlinson. Fazendo uma transposição de climas, Querida – que Danilo viu ser composta – perde a cadência de foxtrot e se veste de uma lentidão sedutora, guiada por cordas e sopros.

Danilo Caymmi conta que já vinha de muito tempo a cobrança por uma homenagem a Tom Jobim. Mas, para ele, esse foi o momento certo e ainda rendeu uma ponte entre famílias com Tema de Amor de Gabriela. “O Dorival fez Modinha para Gabriela para a TV. Quando foi fazer a trilha do filme (Gabriela, 1983), o Tom ligou para o papai e pediu para usar o refrão. Foi um acordo de cavalheiros, despojados de vaidades extremas”, lembra ele que foi diretor musical de Tom Jobim e teve a chance de aprender muito sobre a lida com a arte. “Ele me delegou coisas muito grandes. Eu que mandava nos ensaios, dizia se estava bom, e ele sempre olhava pra mim para saber se estava tudo certo”. Com tanta proximidade, ele tem autoridade para prever a avaliação do mestre sobre sua homenagem. “Certamente ele iria gostar desse disco”.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles