Foto: Wilian Aguiar

A primeira vez que vi Bibi Ferreira – embora já tivesse ouvido falar e rido deste nome artístico – foi num quadro do antigo Vídeo Show, em que ela demonstrava sua versatilidade improvisando inúmeras versões de Mulher Rendeira. O tema tão nordestino ganhou ares de ópera europeia, fado português, rock norte-americano e outras levadas do mundo.

Tempos depois, minha curiosidade sobre aquela mulher de baixa estatura, com enormes óculos escuros e cheia de bom humor seguiu até os primeiros anos deste milênio, quando ela trouxe a Fortaleza o apoteótico Bibi Canta e Conta Piaf, espetáculo cênico-musical em que esbanjava sua interpretação segura, emocionada e aclamada. Um detalhe marcante daquele momento foi ver que convivem duas personagens num mesmo palco. Nos momentos em que a história da francesa era contada pelo narrador, Bibi saía de cena, encostava no piano e respirava fundo, confessando o cansaço dos mais de 80 anos. Mas, quando sob as luzes, ela se agigantava, tomava o microfone e, com força, soltava a voz grave de contralto com fraseado impecável.

Hoje, com 94 anos, o esforço para cantar de pé é até maior, mas Bibi Ferreira segue com sua energia divina e volta a Fortaleza com 4xBibi. Serão duas apresentações no Teatro RioMar, nos dias 29 e 30 de março. O espetáculo é uma merecida auto-homenagem aos 75 anos de carreira marcados pela estreia de La Locandiera, de Carlo Goldoni, em 1941. Em 4xBibi, cercada por um grupo de músicos, ela resume, em pouco mais de uma hora, quatro momentos marcantes dessa carreira. Tem Amália Rodrigues, fadista portuguesa com quem a carioca teve chance de trocar impressões artísticas pessoalmente. Tem Carlos Gardel, ídolo argentino que representa as memórias de quando morou na terra do tango. Tem ainda a Edith Piaf que acompanha a brasileira por tantas décadas. E, por fim, Frank Sinatra, cujo tributo completo Bibi apresentou em Fortaleza em setembro de 2016.

Cada um dos quatro homenageados em 4xBibi já rendeu um show completo, onde a atriz e diretora brasileira narra a biografia, conta de sua relação pessoal como fã e canta sucessos. Em francês, inglês, espanhol ou português lusitano, a filha do ator Procópio Ferreira com a bailarina Aída Izquierdo lembra emoções como New York New YorkJe Ne Regrette Rien, Fadinho Serrano e Esta Noche me Emborracho. De cada obra apresentada, Bibi Ferreira toma emprestado aquilo que lhe faz mais sentido, aquilo que poderia ter saído dela mesma como uma criação particular.

Isso acontece porque, assim como Sinatra, Amália, Piaf e Gardel, Bibi é um símbolo de seu País. Um orgulho nacional. Mesmo não tão popular entre seus conterrâneos quanto os acima citados, a menina que estreou no teatro com vinte e poucos dias de nascida é uma bandeira de resistência que prova ser possível sim viver de Arte (assim mesmo com letra maiúscula) no Brasil. Dona de uma carreira impecável e reconhecida internacionalmente, Bibi Ferreira é um monumento às artes cênicas do mundo. Ela é do tamanho do Lincoln Center ou do Olympia de Paris. Mas é tão brasileira quanto a tapioca ou o Corcovado.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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