Fotos: Julio Caesar

Existe algo de heroico no Cidadão Instigado. O nome já virou marca de qualidade na cena musical brasileira. Mas não me refiro à uma cena que move cifras gigantescas com um modelo fabril de melodias repetidas, falsas bandeiras e letras falando sobre bebedeira e chifre. Falo de uma espaço reservado, de nicho, exclusivo de quem trata a a música com cuidado e atenção.

Ainda mais heroico por que a banda tornou-se um expoente nacional nascido no Ceará. Pós-turma abraçada no pacote Pessoal do Ceará, Fernando Catatau e seus parceiros são o que de mais relevante se produziu na música daqui nos últimos 20 anos. E, quando esse sexteto formado ainda por Dustan Gallas, Regis Damasceno, Rian Batista, Clayton Martin e Yury Kalil volta para sua terra, há um clima de ufanismo coletivo a ser celebrado.

Foi o que aconteceu na noite dessa sexta-feira, 28, na Praça Verde do centro Dragão do Mar. O Cidadão Instigado trouxe seu show comemorativo pelos 20 anos de carreira para a programação da Maloca Dragão. Afiados de som, iluminação, figurino, a banda bombardeou uma plateia sedenta com sons lisérgicos, solos vigorosos e misturas rítmicas tão bem elaboradas que fica difícil dizer onde começa o rock, entra o baião ou interfere o brega. Você só sabe que isso tudo – mais reggae, metal, lamento e outros elementos – está ali em algum lugar.

O heroísmo do Cidadão Instigado foi bem representado por uma figura de tamanho sobre-humano, com cabeça metalizada e corpo coberto por uma manta que entrou no palco logo que o show começou. A propósito, a descrição que faço pode ser falha, confesso, uma vez que sou míope e estava longe. Mas, leiam mais pelas sensações que pela descrição fotográfica.

Quem estava por baixo dessa capa (um artigo comum a muito super-heróis) era Fernando Catatau, a voz mais forte dentro do Cidadão Instigado. Se é pra vê-lo (e a banda como um todo) nesse papel de herói, não seria um Superman, com seu ufanismo propagandista a qualquer custo. Nem um Batman, paladino misterioso que age por conta própria e sem pena dos inimigos. Talvez seriam um Dr. Estranho, ser de conhecimento superior, que usa esse conhecimento nos momentos certos, sem exibicionismo ou excessos, e olhando para um ganho maior do que somente derrotar esse ou aquele. Para esse heroísmo de varejo existem outros justiceiros.

E foi por conta desse olhar maior para a própria carreira que o Cidadão Instigado construiu um séquito fiel de admiradores. Sem buscar um som radiofônico ou fazer concessões comprometedoras, eles acreditaram num trabalho e o defenderam com unhas e dentes. Assim eles chegaram aos 20 anos lotando a Praça Verde. O público não dança, mas observa a movimentação minimalista dos músicos – que vieram fortificados por um trio de metais. No máximo, o movimento do público acompanha o que acontece no palco, eventualmente cantando junto e aplaudindo à exaustão.

Os aplausos são merecidos. Apesar da estranheza, o show todo (o primeiro que vi deles) é envolvente, detalhista e dinâmico. A banda cearense mostra profissionalismo, maturidade e coragem de apostar num som torto, com composições que falam de Zé Doidim e outras gírias que são muito nossas. A propósito, Fortaleza, o último disco do Cidadão, é, ao mesmo tempo, uma carta de amor e um alerta para a capital cearense. O recado foi bem dado e rendeu elogios de público e crítica. Mais palmas para eles.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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