Há 40 anos, Gal Costa lançava o álbum Caras & Bocas, álbum onde ela começa a se despedir do estilo hippie roqueiro que marcou sua trajetória até ali. De musa da contracultura nacional, a baiana começava a moldar uma nova faceta para sua história, a de diva da MPB. A voz era mesma. Aguda, forte, emocionada. Mas o repertório se abria para uma proposta mais mainstream, popular e festiva.

Mudar o movimento do barco é algo comum nos 52 anos de carreira discográfica de Gal. “Sempre foi assim. Minha carreira foi pautada por essas mudanças radicais em todos os momentos. Meu público é mutante porque eu também sou”, assume a artista que traz a Fortaleza o resultado de mais uma mudança na carreira. A turnê Estratosférica, apresentada hoje no Ideal Clube, é baseada no 36° álbum da baiana radicada em São Paulo há alguns anos.

Lançado em 2015, Estratosférica foi produzido por Alexandre Kassin e Moreno Veloso a partir de um repertório selecionado pelo jornalista Marcus Preto ao lado de Gal Costa. “É uma consequência do Recanto (álbum de 2011), que é totalmente coerente com minha trajetória. Esse é menos hermético, menos fechado, mas é jovem, arrojado”, descreve a cantora que dá voz a gente da idade de Marcelo Camelo, Mallu Magalhães, Céu e Criolo.

No show, que estreou em setembro de 2015 e permanece inalterado, uma nova geração de compositores convive harmonicamente com um turbilhão de épocas, influências e transformações. Tem a Acauã de Zé Dantas, o Cartão Postal de Rita Lee e a Arara de Lulu Santos. A viagem parte de Sim, foi você, canção do guru Caetano Veloso registrada num compacto de 1965 que apresentava uma estreante Maria da Graça (ou Gracinha, como chamava a mãe Dona Mariah) e segue até Sem Medo Nem Esperança, rock de Arthur Nogueira e Antônio Cícero onde Gal assume: “Nada do que fiz, por mais feliz, está à altura do que há por fazer”.

Da veia roqueira à admiração por João Gilberto, Gal Costa sempre se manteve atenta ao que acontece no mundo e transbordou esse olhar para sua música. “É engraçado que eu acompanho meu tempo”, surpreende-se a artista que se desfez da coleção de LPs quando o CD passou a ser dominar o mercado. Sem saudosismo, hoje ela prefere ouvir música pela internet. “Com todas essas possibilidades, a coisa do disco meio que entrou pelo cano. Tem gente que ouve rádio, mas hoje você tem um software, não precisa comprar (música). A estrutura das gravadoras meio que faliu”, aponta sem dar muita importância.

A propósito, uma coisa que o tempo deu a Gal Costa foi a mansidão para tratar tudo com muita naturalidade. Sua fala não traz sobressaltos e a conversa flui com a mesma simplicidade com que ela canta Chululu. Citada como referência por uma infinidade de jovens cantoras, a baiana também não deixa se levar por afetações ou vaidade. “Sei que tem uma geração que se referencia em mim. A Marisa (Monte) também é um olhar para o meu trabalho. Me sinto bem, acho bacana. Vale a pena fazer música, trabalhar para isso, para interferir na vida das pessoas, levar qualquer coisa que seja de bom para as pessoas”, resume a artista antes de lembrar uma história. “Logo que saiu o disco (Estratosférica), um fã disse que eu moldei o seu ser. Na verdade o trabalho é uma atitude espiritual e ao mesmo tempo revolucionária. Para dar alento e tudo que for de melhor”.

Serviço:
Gal Costa – Estratosférica
Quando: hoje, 6, às 22 horas
Onde: Ideal Clube (Av. Monsenhor Tabosa, 1381 – Meireles)
Quanto: entre R$ 400 e R$ 600 (mesa de quatro lugares)
Telefone: 3248 5688

Como uma mutante:

Domingo – Álbum influenciado pelo canto contido de João Gilberto que apresentava dois jovens artistas: Gal Costa e Caetano Veloso. Era também o início de uma parceria sem prazo de validade.

Gal Costa – Os dois discos de 1969 deixava a bossa de lado para investir no rock e na psicodelia. Este segundo é lisérgico até na capa.

Cantar – De musa tropicalista, Gal retoma o canto contido nesta obra prima. O suingue permanece e a afinação chega ao auge.

Gal Tropical – Dando adeus à contracultura, Gal chega mais brasileira e radiofônica nesse álbum de sambas, choros e carnaval.

Aquele Frevo Axé – Depois de um período de alta popularidade, o novo século foi chegando com menos inspiração. Muitas tentativas e ideias, mas pouco resultado.

Recanto – Com repertório inédito composto por Caetano Veloso, Gal Costa volta a brilhar com um trabalho moderno e inspirado. Rock e eletrônico voltam à pauta do dia. O disco ainda rendeu um belíssimo show.

Estratosférica – Menos conceitual que Recanto, o álbum traz o frescor dos novos tempos para o repertório de Gal. A ideia já tinha sido tentada em Hoje (2005), que não teve a repercussão merecida.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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