Há tempos recebi uma cópia de Meteórico Fenômeno, livro de textos e fotos organizado por Gerson Conrad. Este músico paulistano, pra quem não conhece, é uma das cabeças que liderou um dos maiores espetáculos brasileiros, a banda Secos & Molhados. Foram apenas dois discos – 1973 e 1974 – a artilharia necessária para que o trio tatuasse de vez sua proposta na história da música brasileira. Com a voz de Ney Matogrosso à frente das ideias vanguardistas de João Ricardo e o meio de campo musical de Gerson, o grupo de carreira efêmera tornou-se não menos que um meteórico fenômeno.

Pode-se medir o sucesso do trio pelas milhões de cópias de discos que eles venderam em tão pouco tempo ou até pelo fato da gravadora ter de derreter o estoque de LPs para suprir uma crise de vinil (matéria prima do LP) que assolava o mercado na época. O fato é que muito há por ser dito ainda sobre o Secos & Molhados, mas o livro escrito pelo violonista faz pouco pra preencher essa lacuna.

Boa vontade existe. Ele abre o baú de velhas fotos e escreve textos que tentam ser pessoais, mas avançam muito pouco além do que já se conhece sobre a banda. As fotos são trabalhadas para parecerem pintura, o que acabou por tirar a plasticidade e o colorido de um grupo de artistas que deve muito da sua empatia com o público às maquiagens e figurinos inclassificáveis que usavam no palco.

Pra piorar, o eterno equivocado João Ricardo proibiu que sua imagem aparecesse no livro. Numa atitude ignorante em relação ao seu papel como artista, o mentor dos Secos & Molhados prefere uma eterna briga com os ex-colegas a ver sua obra realmente valorizada como deveria. A propósito, algo muito semelhante ao que outras figuras vêm fazendo por não saberem administrar a obra que herdam. Bigha Maia, esposa do compositor Petrúcio Maia, por exemplo, sentou sobre a obra do marido e não permite que ninguém grave ou fale dele. Mal sabe ela que acabou se tornando a maior responsável pelo completo desconhecimento sobre a obra do compositor de Dorothy L’amour.

É verdade que os Secos & Molhados não foram de todo esquecidos. Ney Matogrosso segue como um  dos maiores artistas do mundo (sem exageros) e sempre inclui algo do trio em seus shows. João Ricardo faz que não gosta do ex-parceiro, mas deve gostar de saber que é o desafeto quem mantém sua obra viva. O Meteórico Fenômeno poderia ser um outro esforço por esse legado, uma vez que seria o primeiro registro em livro feito por um membro da banda. Mas ele passa ao largo de qualquer empolgação. Num esforço de explicar o ambiente cultural em que a banda surge, ele até explica quem é Chacrinha.

Quando Meteórico Fenômeno foi lançado, a lei que permitiu a liberação da biografias não autorizadas ainda não tinha sido aprovada. Agora foi, o que nos faz sonhar com uma reedição falando de mais histórias, sobre a construção dos personagens, figurinos e maquiagens. Sobre as influências da arte kabuki, sobre as gravações, drogas e uma análise depois de tantas décadas. Os discos foram relançados em CD neste milênio e gerou uma aproximação como uma nova geração consumidora de música. Eis um tema para bacana para uma futura edição.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles