Não existe novidade na admiração nacional pelo repertório de Roberto Carlos. Da juventude à idade adulta, ele soube construir uma obra coerente e atraente para muitos públicos e assim vem se mantendo por décadas. No entanto, a tinta populista que coloriu seu repertório na segunda metade dos anos 1980 fez com que uma fama de brega e antiquado pesasse sobre o repertório do Rei. Coube a Maria Bethânia, em 1993, passar um pano nessas canções, lustrar bem e gravar o belíssimo As Canções Que Você fez Pra mim.

Daí em diante, outros muitos cantores decidiram assumir seu amor por Roberto. Passou a ser chique derramar elogios para o autor de Emoções. E vieram muitos outros tributos: Cauby Peixoto, Teresa Cristina, Lulu Santos, Agnaldo Timóteo, Waldick Soriano (em disco póstumo) e Roberta Miranda foram alguns dos que dedicaram álbuns inteiros às músicas de Roberto e Erasmo. Mais um nome entrou nesse clube este mês. Do alto dos seus 88 anos, Angela Maria assume a amizade e a admiração que guarda há décadas pelo compositor de Cachoeiro de Itapemirim.

Lançado pela Biscoito Fino, Angela Maria e as Canções de Roberto & Erasmo tem 10 faixas gravadas originalmente nas décadas de 1960 e 70. A produção é de Thiago Marques Luiz, paulistano que tem feito um trabalho digno de palmas ao valorizar figuras que andavam esquecidas do mundo da música. Ele foi responsável, por exemplo, pelos frutíferos últimos anos de Cauby Peixoto, com quem produziu outro tributo a Roberto. Talvez por isso, o novo disco de Angela seja uma espécie de irmão siamês daquele songbook que seu amigo Cauby lançou em 2009.

Os arranjos de piano, violões e orquestra buscam sofisticação para as canções. Sem aqueles agudos que deram fama a Babalu, Angela hoje é dona de um grave requintado capaz reaquecer o clima de Sua Estupidez. O tom de despedida e melancolia é uma constante neste tributo em marcha lenta. Eu disse adeus e Desabafo são exemplos de canções que parecem ter sido feitas para a interpretação impecável da Rainha do Rádio. Jovens Tardes de Domingo, inclusive, vem para coroar esse clima com um elogio ao que não volta mais. “O que foi felicidade me mata agora de saudade. Velhos tempos, belos dias”.

Angela Maria e as Canções de Roberto & Erasmo conta com duas importantes participações. Porção mais aventureira e criativa da dupla de homenageados, Erasmo Carlos chega para dividir os vocais de Sentado à Beira do Caminho. E Cauby Peixoto, amigo inseparável de Angela, em uma de suas últimas gravações, comparece em Como é Grande o Meu Amor Por você. Música menos inspirada do repertório, a faixa funciona de forma certeira como uma declaração de amor da intérprete pelo convidado e seus homenageados.

Sem o modernismo forçado de Lulu Santos, o rock minimalista de Teresa Cristina e Os Outros, a classe luxuosa de Bethania, Angela Maria aposta no que tem à mão para fazer sua homenagem a dois amigos. Ela teve liberdade de escolher o repertório e optou por fugir das obviedades. Ela tem bons músicos e arranjos que exalam uma sofisticação que, em alguns momentos, parece forçada. Não se Esqueça de Mim, por exemplo, envelheceu algumas décadas com sua orquestração genérica. O oposto do que acontece em O Show Já Terminou, disposta a arrancar lágrimas. Dona de uma voz magnífica como poucas, Angela canta sem arroubos, encontra um sentimento para cada sílaba e valoriza canções já interpretadas à exaustão. Não, o show de Angela Maria não terminou.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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