Amelinha - De Primeira Grandeza

Curiosamente, Amelinha demorou a gravar Belchior em um disco seu. A primeira vez foi em 2011, no excelente álbum Janelas do Brasil. Antes, ela havia cantado – sozinha ou bem acompanhada – algumas faixas no álbum coletivo dividido com Ednardo e com o próprio Bel. Não existe explicação racional para isso.

Amigos desde o início de carreira, ela foi se conectando a outros compositores e deixando o conterrâneo ao alcance da mão. O momento de se apropriar das canções de Belchior chegou num período em que ele já não estava próximo para dar opiniões. Nesse tributo, Amelinha deixa a emoção falar por si.

Existe um clima roqueiro, meio indie, nos arranjos modernos de De Primeira Grandeza, tributo que chegou no fim da semana passada às plataformas de streaming. Mas toda essa modernidade chega sem afetação. A proposta é mesmo homenagear e respeitar canções que, mesmo com o passar do tempo, não perderam a beleza e a atualidade. Com sobriedade, Amelinha deixa a voz privilegiada ser guiada pelos jovens músicos e todos parecem conectados a esse propósito. O resultado é emocionante e, certamente, agradou o homenageado.

Foto: Murilo Alvesso/Divulgação

De Primeira Grandeza Faixa a Faixa:
De primeira grandeza – Cantando de peito aberto, Amelinha acerta no tom e na emoção. O instrumental elegante tem algo de indie kitsch, e valoriza uma das mais belas composições de Belchior. Ele ficaria feliz com a homenagem.

Paralelas – Psicodélica sem afetação feita com piano elétrico, guitarra distorcida e bateria econômica. Amelinha sublinha as palavras com tons graves. Mesmo sendo uma das músicas mais gravadas de Belchior, ela encontra uma nova beleza na faixa.

Alucinação – Primeiro single do tributo, Amelinha mantém as intenções melódicas de 40 anos atrás, apesar do tom confessional. Não há o que mudar neste clássico atemporal, mas a intérprete, acertadamente, abre mão do “tiuria”.

Incêndio – Gravada por Fagner em 1987, a balada rock tem o arranjo atualizado. As guitarras pesadas e a bateria forte garantem dramaticidade. Amelinha se esforça para alcançar as notas mais altas.

Passeio – Faixa do álbum de estreia de Belchior, esse drama urbano ganha uma levada reggae que mantém a ironia original. A melancolia do original dá lugar a um arranjo solar com vocais abertos.

A palo seco – Um dos grandes momentos do compositor Belchior que ficou gravado na memória dos fãs com sua voz sui generis. Amelinha preserva a levada original, deixando a novidade por conta do seu timbre rouco e privilegiado.

Mucuripe – Depois de inúmeras gravações, agora Mucuripe ganhou um ritmo quebrado, meio tango indie, excessivamente soturno. A vontade de modernizar tirou personalidade da faixa. Um ponto fora da curva num tributo de ótimos momentos.

Comentário a respeito de John – O folk setentista em resposta a John Lennon ganha acento roqueiro com menos teclados e mais guitarras. Os improvisos de Amelinha no fim da canção poderiam ser melhor explorados.

Na hora do almoço – Sóbria, Amelinha brilha no ótimo arranjo. Recriada em ritmo e instrumentação, Na Hora do Almoço é guiada por bateria trovejante e violões ritmado. A força da canção está preservada nesta que é a melhor versão do álbum.

Princesa do Meu Lugar – Surpresa do repertório, essa homenagem à terra natal de Belchior encerra o disco em grande estilo. A conversa de violões e acordeom garante emoção na balada sertaneja lançada por Guadalupe em 1980 e inédita na voz do autor.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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