A abertura da XIX Mostra Sesc Cariri foi com o show “Carbono”, de Lenine, no Crato (fotos: Davi Pinheiro/Divulgação)

Com o País sendo passado num liquidificador de problemas políticos e sociais, a cultura é uma das vítimas mais notórias. Criar, montar e circular com um novo projeto exige uma série de cuidados e preocupações bastante desafiadores. Quando são artistas jovens ainda em formação de público e/ou que seguem na cena independente há bastante tempo, esses desafios são ainda maiores. Mas é essa turma de fora mainstream que forma a maior parte do caldo da Mostra Sesc Cariri.

Chegando à sua 19ª edição em 2017, o evento se espalha por 28 cidades da região movimentando cerca de 2500 artistas em 260 atividades das mais variadas linguagens, da música à performance. Os 75 trabalhos selecionados via edital reúnem no Cariri 14 estados brasileiros. Mas que números, esse é um retrato da pluralidade de um evento que proporciona a troca de experiências e dá oportunidade para o Brasil conhecer o Cariri e o Cariri conhecer o Brasil.

Num show de ares roqueiros, Lenine contou mais uma vez com o guitarrista Jr. Tostoi e com o baterista cearense Pantico Rocha na banda

A abertura da mostra aconteceu na sexta-feira, 10, com exposições, cortejo de brincantes pelas ruas de Juazeiro do Norte – algo que tornou-se tradicional na Mostra – e show de Lenine na Reffsa, Crato. O pernambucano fez um show hipnótico, apesar do repertório menos popular. Baseado no seu mais recente trabalho, Carbono (2015), o show teve muita guitarra, luzes estroboscópicas e a performance única do cantor à frente. Diferente do show apresentado no Centro Dragão do Mar, quando o álbum tinha poucos meses de vida, no Cariri, a presença de hits da carreira de Lenine foi melhor dosada – embora não  tenha sido exatamente um show de hits. O público aplaudiu, ficou inquieto na hora das desconhecidas, mas se irmanou na hora do “fora Temer”.

Mombojó: psicodelia e melancolia pernambucana para um público que cantou tudo junto

O protesto político também esteve presente no Terreiro da Mestre Margarida, localizado na unidade do Sesc em Juazeiro do Norte. Foi lá que o Mombojó apresentou o show Lo-Fi, repassando 15 anos de carreira. Apesar do tempo de estrada e dos cinco discos lançados, a banda pernambucana ainda tem muito público a conquistar. No Cariri, foram recebidos com empolgação e muita gente cantando junto do vocalista Felipe S. As letras melancólicas e os ritmos não exatamente dançantes da banda foram suficientes para alegrar uma plateia empolgada de ver o quinteto pernambucano pela primeira vez.

As Chicas Amora Pêra, Paula Leal e Isadora Medella

Isadora Medella cantou, brincou e desceu pra dançar junto com o público

Depois do Mombojó, foi a vez das Chicas subirem ao palco. Apresentando o novo disco, Dia Útil (2017), elas misturaram repertório autoral com covers cheios de personalidade. Teve Divino Maravilho e Vamo Comer, ambas de Caetano Veloso, ao lado das músicas novas do trio e de leitura de poesias. O som das Chicas é MPB com guitarra e peso, quase roqueiro e com performances bem diferentes de cada uma das integrantes. Uma mais séria, outra mais risonha e outra mais preocupada com o comando do palco. No conjunto, tudo funciona, principalmente as letras criativas do trabalho.

Em conversa exclusiva com O POVO, as Chicas comemoraram a volta ao Cariri e falaram das dificuldades de ser independente no Brasil. “A gente queria aproveitar para apresentar em Fortaleza, mas não conseguimos”, comenta Paula Leal reforçando do quanto tem sido complicado circular com a equipe completa. “Todo mundo está fazendo voz e violão. A gente ainda não”, continua a cantora e guitarrista. “A grosseria é importante”, completa Amora Pêra, se referindo à importância da banda para dar sentido às canções.

Outras linguagens

Mas nem só de música é feita a Mostra Sesc Cariri. É impossível dar conta de tudo que acontece e é o feeling o melhor filtro. Nessa seleção sem um critério muito estabelecido, destaque para a exposição Religare. Ela reúne dípticos de Raquel Amapos que mostram uma relação íntima do homem com a natureza, e como elas se modificam. As fotografias expostas no Centro Cultural BNB usam cenários praianos em imagens sombrias, escuras.

“Religare” e “Arte Tumular no Brasil” expostas no CCBNB de Juazeiro do Norte

Religare está ao lado das fotografias de Paulinha Portes e, de alguma forma, se comunicam. Natural de Mogi das Cruzes, São Paulo, Paulinha captou imagens de obras de arte, cenários e detalhes que passam despercebidos pelos cemitérios brasileiros e fez a mostra Arte Tumular no Brasil. Há um impacto em quem vê anjos sem asa, crucifixos ou cristos precisando de manutenção. Mas há também no ar uma mensagem sobre o fluxo da vida e a necessidade de aceitar a finitude.

Outro destaque da mostra é o filme Até que a Sbórnia nos Separe, dirigido por Otto Guerra e Ennio Torresan. Lançada em 2013, a animação baseada na comédia musical Tangos & Tragédias conta a história de uma ilha isolada do mundo por um muro gigantesco. Quando esse muro cai, os sbornianos passam a conhecer novos hábitos e ver suas tradições se modificando. Entre a resistência e a curiosidade, o filme proporciona lágrimas e risos na mesma proporção. Além da ótima trilha de André Abujamra, Até que a Sbórnia nos Separe conta com vozes de Arlete Salles, Nico Nicolaiewsky, Fernanda Takai e outros.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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