A vida e a carreira de Antônio Carlos Viana são uma sucessão de acertos e erros. Paulista de Mirante de Paranapanema, ele fugiu de casa aos 11 anos e foi viver de engraxate e vendedor no Rio de Janeiro. Anos depois, entrou para o exército e foi lutar no Canal de Suez. Depois da vida militar, iniciou uma carreira artística inspirado nos jovens talentos do rock da época.

No anos 1960, Antônio decidiu se mandar de novo e foi parar nos Estados Unidos. Lá ele teve contato com questões raciais, tanto pela militância e pela música. De Panteras Negras a Aretha Franklin. Aprendeu a se virar nos states como cafetão e traficante. Por lá também conheceu outro brasileiro, Sebastião, com quem mantinha afinidades como a vida de infrações e o amor pela black music. Sebastião voltou para o Brasil deportado e foi se dedicar à música sob o nome de Tim Maia.

Antônio também mudou de nome quando voltou pro Brasil. Aqui virou Johnny Bradfort, crooner na banda do pianista cearense Ed Lincoln. O pseudônimo durou pouco e ele, logo, virou Toni Tornado. O nome caiu bem para aquele furacão de voz, suingue e atitude black que cantava e dançava com todos os maneirismos do mestre James Brown. Numa época em que muitas bandeiras políticas eram hasteadas no Brasil, Toni levou seu baile para o V Festival Internacional da Canção, num ano em que a soul music dominou o pleito. Entre Evinha, Fábio, Dom Salvador e Ivan Lins (em sua época black), foi aquele cantor de porte gigante e voz desafiadora que levou o prêmio interpretando BR-3 ao lado do Trio Ternura.

O sucesso de BR-3 puxou a gravação do primeiro disco em 1971. Batizado apenas com o apelido Toni Tornado, o álbum lançado pela Odeon tem arranjos elegantes e luxuosos, feitos por nomes como Waltel Branco, Paulo Moura e Dom Salvador. Tudo alinhado com a música negra da época. Toni não é um cantor de muitos recursos, mas tem atitude e sabe imprimir verdade no que canta. É o caso de Não lhe quero mais, balada de Roberto e Erasmo que remete aos momentos mais melancólicos de Tim Maia. Na contramão da tristeza, Uma Vida é um autêntico funk  suingado, com vocais recitativos e refrão forte pedindo mais alegria. Outra joia de Toni Tornado é Me libertei, uma ode sem firulas à música livre.

Um segundo disco viria em 1972, quando um Toni Tornado mais seguro de si se mostra também como compositor. O álbum segue a linha do anterior e deixou Podes Crer Amizade para ser usada e abusada nos samplers do futuro. Mas, nesse período,  a gangorra começava a apontar pra baixo. Numa nova edição do mesmo Festival Internacional da Canção que o consagrou, ele entrou no palco enquanto Elis Regina cantava Black Is Beautiful. No entusiasmo, ergueu o punho num gesto tipico dos Panteras Negras. Acabou preso. Pouco antes, durante um show no Festival de Verão de Guarapari, foi pular na galera e acabou acidentando seriamente uma fã que estava bem na frente da plateia. Teve ainda o relacionamento com Arlete Sales, que gerou todo tipo de comentário preconceituoso sobre “um negão posando ao lado de uma blondie”.

Numa época em que qualquer possibilidade de liberdade podia soar perigosa, não precisou de mais argumentos para que Toni Tornado desse por encerrada sua carreira de cantor. Foi para a TV e manteve-se ator por décadas. Na era dos discos disponibilizados para audição em streaming, encontraram aqueles discos cheios de suingue, aquela voz trovejante e aquela atitude corajosa diante da vida. Redescoberto, voltou aos palcos num novo milênio pra provar que velhas bandeiras ainda precisam ser hasteadas.

Veja as faixas de Toni Tornado (1971):

1. Juízo final (Renato Corrêa/ Pedrinho)
2. Não lhe quero mais (Erasmo Carlos/ Roberto Carlos)
3. Dei a partida (Getúlio Côrtes)
4. Uma canção para Arla (Major/ Tony Tornado)
5. Breve loteria (Fafi)
6. Eu disse amém (Getúlio Côrtes)
7. BR-3 (Tibério Gaspar/ Antônio Adolfo)
8. Uma vida (Arnoldo Medeiros/ Dom Salvador)
9. Papai, não foi esse o mundo que você falou (Erasmo Carlos/ Roberto Carlos)
10. Me libertei (Tony/ Frankye)
11. O repórter informou (Hyldon)
12. O jornaleiro (Major/ Tony Tornado)

>> BR-3 (Tibério Gaspar/ Antônio Adolfo) por Carlus Campos

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles