Por Victor Hugo Santiago (Músico)

Os bons ventos nos levam para dentro de um cenário sonoro em que o canto dos pássaros apraz toda uma musicalidade advinda dos vales e montes que vestem os pedaços de América do Sul, onde a música tem uma leitura peculiar. Assim reverbera Vento Sul, último trabalho de Luis Leite.

Luis Leite nasceu no Rio de Janeiro, em julho de 1979. Cresceu em berço familiar musical recebendo grande influência de seu avô, que como músico amador, ensinou-lhe os primeiros acordes. Seu pai e tios também tocavam regularmente. Nesse universo, o violão foi o instrumento responsável por reunir todos ao redor da música. Com essas influências já em âmbito familiar, Luis foi demostrando interesse em diversos segmentos musicais desde cedo. Navegara pelos mais variados estilos, do choro ao jazz, até à música clássica, começando a se apresentar profissionalmente aos 14 anos com o Grupo Camerístico de Violões.

Sua formação é em violão pela UniRio. Após receber o primeiro lugar em concursos nacionais de violão, aos 19 anos foi residir fora do País, onde se especializou na Accademia Musicale Chigiana (Siena, Itália), tornando-se bacharel e mestre pela Universität für Musik Wien, sob a orientação do renomado violonista Alvaro Pierri. De volta ao Brasil, assume a cátedra de Violão da Universidade Federal de Juiz de Fora, onde desde então, coordena o programa de Bacharelado em Violão. Violão esse que expande-se de uma forma híbrida, “bebendo de fontes” mineiras que claramente se evidenciam no disco em questão.

Vento Sul é o seu terceiro álbum. Com vasto currículo internacional, o violonista e compositor reúne artistas convidados em um novo álbum que explora o lirismo e a sensibilidade da música da América do Sul, onde percebe-se diretamente uma inspiração referente à riqueza harmônica (peculiar) da música mineira, bem como as divisões das músicas latinas na composição das faixas. Todas autorais, importante ressaltar. No álbum, também comparecem Erika Ribeiro (piano), Felipe Continentino (bateria), Elisa Monteiro (viola), Fred Ferreira (guitarra) e Márcio Sanchez (violino). Vento Sul é um daqueles discos em que a compreensão sonora não cabe em fones de ouvido. Precisa ser apreciado em seu formato físico com um aparelho de som e todos os seus recursos. Somente assim é possível captar a totalidade expressiva pretendida por Luis.

Com intensa atividade internacional, Luis já se apresentou em mais de 20 países. Já esteve ao lado de grandes nomes da música, como Hamilton de Holanda e Yamandu Costa. Após Mundo Urbano (2009), Ostinato (2014) e por último Vento Sul (2017), Luis traz a narrativa musical como protagonista da cena, convidando o ouvinte a mergulhar no universo da música e escutá-la em primeiro plano, ou como disse a revista Classical Guitar Magazine (UK): “Luis Leite possui uma técnica capaz de qualquer coisa e ainda um som bonito para completar”.

A proposta do instrumentista carioca Luis Leite foi conceber um álbum contemplativo na contramão da urgência do cotidiano, que logo é sentida nas primeiras canções de Vento Sul. Santiago, por exemplo, faixa que abre o disco, foi composta em um hotel da própria cidade homenageada (no caso, em Santiago de Compostela e não do Chile). A música mostra uma virtuose e dinâmica entre violão e piano em um diálogo com alternância em compassos ímpares que nos proporcionam uma agradável viagem no âmago da musicalidade latina, adentrando em seu universo repleto de melodias intrigantes. Também me chamou a atenção a faixa Veredas, onde a cantora Tatiana Parra com seus nuances impecáveis, traça desenhos vocais que fazem um contraponto harmonioso, adornando assim a canção juntamente à exploração estética de contornos sinuosos com a curiosa utilização do adufo (pandeiro sem platinelas) de Sergio Krakowski, preenchendo os graves e se misturando rebuscadamente com os outros timbres. Já em Flor da noite, escrita em homenagem a Guinga, esboça uma de suas grandes influências sonoras como compositor. Revela-se uma sonoridade mais escura, de harmonia aveludada. Ao mesmo tempo delicada e meditativa, a música inicia com uma introdução de violão e em seguida, conta com a participação do clarinetista Giuliano Rosas, deixando a canção ainda mais presente no universo “guinguiniano”. Já em Céu de Minas, Luis remonta e ressignifica as melodias naturais sob as narrativas musicais envolventes das composições mineiras (sempre presentes em sua vida). Escrita no interior de Minas Gerais, a faixa retrata a atmosfera cativante de um momento de tranquilidade e contemplação, que sem pressa, dá um incentivo à quem escuta.

Ao longo das dez faixas, são explanadas as matrizes da cultura latino-americana. Luis soube conduzir-se por um caminho variado através da pavimentação da música do continente, sem esquecer das raízes brasileiras. Por meio dessa concepção, todas as suas virtudes que transitaram pelo singular encontro entre o erudito e o popular, o chamado “third stream” dilui as fronteiras existentes entre os dois gêneros através de linguagens da música instrumental latino-americana, onde cada faixa possui uma identidade própria e representa um universo particular em si mesma. No mais, um bom deleite a todos, e sem pressa – um incentivo à exploração do nosso espaço interno de escuta.

Salve os sons!

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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