Reconhecido por embalar tantas histórias de amor, é estranho saber que a primeira faixa lançada do novo disco de Djavan trata de guerras, tristezas e sonhos destruídos. “Vidas, fardos, meros dados. Incontáveis casos de desamor. Quanta dor, muita dor”, diz Solitude, que apresentou Vesúvio ao público. Lançada no fim de setembro, a música em tom melancólico trouxe um lado do compositor alagoano preocupado com questões políticas e sociais não exclusivas do Brasil.

“A gente viveu um momento de muita polarização, muita ebulição no Brasil. E isso passou. Mas escrevi as músicas nesse período”, explica Djavan, por telefone. “Tentei fazer uma música apartidária, que falasse do Brasil e do mundo. Não é panfletária. É uma canção bonita, cumpre seu papel”, continua como quem quer minimizar o recado de Solitude. Mas o fato é que a faixa causa estranhamento em versos como “Guerra vende armas, mantém cargos, destrói sonhos, tudo de uma vez. Sensatez não tem vez”.

Depois de se pautar pela relação familiar em Vidas pra Contar (2015), Vesúvio começou a nascer no início de 2018. As primeiras composições vieram em janeiro e fevereiro, e Djavan entrou em estúdio em março para fechar as demais. As 13 faixas foram concluídas em agosto. Com isso, o 24º disco do artista alagoano acompanhou o processo eleitoral tomar corpo, dar reviravoltas, acirrar opiniões e tomar contornos violentos. “Nada vai bem pra ninguém nessa pressão”, lamenta ele em Viver é Dever, cuja pegada pop remete aos anos 1980 de bandas como Rádio Táxi. “A reflexão mais contida está em Solitude. É mais uma coisa de contrição, é a reflexão sobre um momento que é grave. Não é negativa a mensagem”, compara o autor.

Esse posicionamento mais crítico, incomum na obra de Djavan, chega num momento em que arte e a cultura vêm sendo tema de vários debates. Da legitimidade da lei Rouanet à possível união das pastas federais de Cultura e Educação – ou até a extinção de um Ministério da Cultura –, muitas discussões têm levado artistas a se posicionarem de forma mais objetiva. Embora tenha afirmado, em recente entrevista à Folha de São Paulo, que nunca usou, nem vai usar recursos da Rouanet, Djavan pondera sobre a importância da lei. “O País é continental e a dificuldade de acesso a um evento cultural é grande. A gente precisa facilitar isso. A gente precisa organizar fundos para que manifestações de cultura popular, por exemplo, cresçam”, explica. Já sobre unir Cultura e Educação num mesmo ministério: “não acho que seja (uma proposta) positiva. Acho que deve existir uma gerência que seja responsável com suas peculiaridades. Mas, como a gente ainda está no escuro, só nos resta aguardar”.

“A cultura, em qualquer povo, é o que ratifica a identidade de uma civilização. É um dos elementos de formação de uma população mais fortes que existe. Um país que não a protege isso é um país herege”, conclui Djavan que procurou conforto nas orações nesses momentos conturbados. “Eu fiquei o tempo inteiro rezando para que passasse. O que vem acontecendo não é próprio nem de eleição nem de período nenhum. Enfim, passou. Eu sempre mantive a esperança de que o resultado pudesse ser bom. O Brasil é um país rico, não temos catástrofe natural. O que precisamos é de uma administração progressista. Não podemos nos omitir sobre as questões do clima. Temos que ter uma agenda que seja urgente e bem colocada sobre o meio ambiente. A gente tem uma grande responsabilidade sobre o clima, mas não temos ainda esse nível de comprometimento”, comenta Djavan que tangencia o assunto em Orquídea, faixa dedicada ao orquidário com 360 espécies que mantém em Petrópolis, Rio de Janeiro.

E se a delicadeza da flor está presente em Vesúvio, o amor também tem seu espaço. Mas ele também aparece em tons melancólicos, tomados pelo desejo de que venham tempos melhores. São paixões mal resolvidas (Um quase amor), fins amargos (Mãos dadas), inseguranças iniciais (Vesúvio) e o medo da solidão (Tenho medo de ficar só). Perto de completar 70 anos (no próximo 29 de janeiro), o compositor de Meu Bem Querer e Eu te devoro admite em Cedo ou Tarde que “quem manda é o medo. A hora é imprópria pra sorrir”. Mas esse tempo vai passar e Djavan estará ali para retratar o novo tempo.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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