Carlos Coelho, Bruno Gouveia, Miguel Flores e Álvaro Birita (Foto: Divulgação)

Falem o que quiserem, mas não há nada mais justo que um tributo a Herbert Vianna prestado pelo Biquíni Cavadão. E ele poderia ter vindo em qualquer momento desses 35 anos da banda carioca. A relação entre o quarteto liderado pelo vocalista Bruno Gouveia com Herbert vem desde a gênese, na primeira metade dos anos 1980. Foi o vocalista e guitarrista dos Paralamas do Sucesso quem deu nome ao Biquíni e ainda fez as guitarras do primeiro sucesso deles, a inesquecível Tédio.

Muitas trocas de figurinhas vieram a seguir, até que nasceu Ilustre Guerreiro. “O nome Herbert tem origem germânica e sua tradução significa ‘Ilustre Guerreiro’. Não conhecemos ninguém tão iluminado e tão guerreiro quanto Herbert Vianna”, assim começa o texto enviado para a imprensa que apresenta o disco de apenas oito faixas, produzido por Liminha – outro grande conhecedor da obra de Vianna.

O trabalho é curtinho e se esforça para descolar das versões originais. Como 75% das composições escolhidas já foram sucessos nas mãos dos Paralamas do Sucesso – e os outros 25% foram sucessos em outras vozes -, a comparação é inevitável e as primazia das versões originais acaba tendo uma vantagem grande. No entanto, o Biquíni Cavadão não se saiu mal ao embalar com seu pop inocente canções que misturam o rock com reggae, sambareggae, ritmos caribenhos e baladas.

O disco abre com Vital e Sua Moto, sucesso do disco de estreia dos Paralamas, Cinema Mudo (1983). A versão original mistura rock com trechos de reggae e (por força da produção) acabou ganhando vocais (no encerramento) feitos pelos Golden Boys, algo que desagradou a banda (tanto que eles regravaram a faixa do jeito que queriam, mais pesada inclusive, para o primeiro volume da coletânea Arquivo). Com o Biquíni, Vital vira um reggae lento, com naipe de sopros bem jamaicano num arranjo sem excessos.

A faixa seguinte é Mensagem de Amor, do segundo disco dos Paralamas, O passo do Lui (1984). Já regravada algumas vezes, a faixa nasceu como um pós-punk bem soturno e inglês, na linha The Cure. Em Ilustre Guerreiro ela vira uma balada rock, com loops e violão à frente. Ficou bonita. Do mesmo disco de 1984, Ska manteve o ritmo que lhe dá nome, mas ganhou elementos novos que mudam o clima da composição. Aqui, o segredo está nos detalhes que buscam sublinhar a história narrada na letra.

Dos anos 1980, o disco dá um salto para 2002, quando os Paralamas se recuperam do acidente de Herbert e lançam o corajoso Longo Caminho. É dele que sai a balada Cuide Bem do seu amor, que o Biquíni acelera um pouco o andamento, mas soa respeitoso ao arranjo original. Bruno até tenta acrescentar uns detalhes no modo de cantar, mas pouco acrescenta. Lá pelo meio tem um dueto de violão com guitarra que ficou bem breguinha, mas vamos adiante.

A próxima é de 2000, uma faixa inédita lançada na coletânea Arquivo II. Aonde quer que eu vá é uma das mais belas baladas dos Paralamas do Sucesso, uma tristonha e melancólica parceria de Herbert com Paulo Sérgio Valle. Aqui o Biquíni entra com vontade na ideia de refazer canções, deu um up no arranjo e fez um reggae até feliz. É a faixa mais Biquíni Cavadão do disco.

Só pra Te Mostrar é uma das duas faixas de Ilustre Guerreiro que não foi gravada num disco dos Paralamas. A faixa foi lançada em 1992, no disco O Canto da Cidade, mega sucesso de Daniela Mercury que contou com uma participação do autor na voz e nas guitarras. O Biquíni desacelerou a faixa, se espelhou em George Harrison, colocou tablas e cítaras e fez uma versão indiana que soa bem surpreendente. Bruno se eleva como cantor.

A próxima faixa nasceu em 1998, no disco Hey Na Na, sendo a primeira colaboração de Marisa Monte com os Paralamas. O Amor Não sabe Esperar era um reggaesinho bem radiofônico, mas ganhou um banho pop ensolarado, carioca, bem na linha do Biquíni Cavadão. O resultado é uma das melhores versões do disco porque é a perfeita combinação entre quem dá e quem recebe a homenagem.

Ilustre Guerreiro encerra com uma polêmica. Presente de Herbert para Ivete Sangalo, Se eu Não te Amasse Tanto assim é uma baladona “novela das 8” feita para que a baiana, que estreava sua carreira solo, pudesse transitar entre os nichos de axé music e MPB com mais desenvoltura. Nesse quesito, a canção foi vitoriosa e Ivete até rendeu dueto com Roberto Carlos cantando a canção. Mas, fato é que a música é bem chatinha ficando bem aquém de várias outras baladas de Herbert. Talvez sabendo disso, o Biquíni Cavadão pisou no acelerador e transformou a canção num rock de guitarras sujas, bateria surrada e baixo pulsante. Foi uma boa tentativa, mas não foi o suficiente pra tirar o ranço e os clichês da composição.

Mas, entre “polêmicas” e acertos, Ilustre Guerreiro é sem dúvida um trabalho sincero, resultado de anos de parceria. Há muito cuidado e carinho empregado no álbum, que até poderia ter mais faixas. Lançado apenas em formato virtual, o disco  realiza também um feito inédito que é o reconhecimento a uma figura fundamental da música brasileira, que soube cruzar os vícios sonoros dos anos 1980 e adentrar novas décadas se reinventando, criando novas parcerias e sem medo de pisar em outros nichos. Sim, Herbert Vianna é um compositor de peso, inteligente, que não se preocupa com rótulos, estudioso do seu instrumento base, a guitarra. Não por acaso já foi gravado por Zizi Possi, Gal Costa, Maria Bethânia, Marina, Cazuza e tantos outros. Muitas palmas para ele para quem reconhece seu valor.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles