O cantor e compositor Cláudio Nucci, Amelinha e Tavito (Foto: reprodução Facebook)

Uma casa no campo com carneiros e cabras pastando solenes no jardim, onde se possa ficar do tamanho da paz. Esse pedaço de paraíso, imortalizado por Elis Regina na interpretação de Casa no Campo, foi idealizado por Zé Rodrix e Tavito no início dos anos 1970. Mineiro de Belo Horizonte, Tavito faleceu na manhã de hoje, 26, em São Paulo, aos 71 anos.

Tavito estava internado no Hospital Sancta Maggiore para tratar um câncer na língua. A notícia foi dada pelo amigo e músico Sonekka Osmar Lazarini. “Ele descobriu um câncer embaixo da língua. Aí foi tratar, acabaram com a boca dele, não podia beber, engolir, puseram sonda, que virou infecção, que passou pro pulmão, que virou UTI e é isso”, informou em postagem no facebook. “Eu costumo dizer que quando parte um compositor, uma parte do coração de outros compositores vai junto. Neste caso, vai meio coração. A gente fica fraco, bem mais fraco. Tavito era luz e boa companhia. Com ele a música valia a pena, ainda que em sonho distante”, completou.

Nascido Luís Otávio de Melo Carvalho, em 26 de janeiro de 1948, Tavito fez parte da história do festivais e foi convidado por Milton Nascimento a integrar a banda que iria lhe acompanhar em shows. Assim nasceu o Som Imaginário, uma das mais importantes formações instrumentais brasileiras que contava ainda com Wagner Tiso, Robertinho Silva, Zé Rodrix e outros. Com este último, ele compôs seu maior sucesso, Casa no Campo, lançada por Elis em 1972, apresentada um ano antes do V Festival Internacional da Canção.

Autor também do sucesso Rua Ramalhete, Tavito gravou seis álbuns solo, sendo o mais recente, Mineiro, de 2014. No início deste mês ele se reuniu com Ricardo Vignini, Zé Geraldo, Tuia e Guarabyra para celebrar o rock rural num projeto também lançado em disco. Ao lado de Beto Guedes, Flávio Venturini, Lô Borges e Milton, ele integrou a geração de compositores conhecida como Clube da Esquina. Tavito fez ainda uma longa carreira no mercado publicitário, onde se destaca a parceria com Aldir Blanc em Coração Verde e Amarelo, tema da rede Globo para a Copa do Mundo de 1994. Suas composições foram gravadas por nomes como Zizi Possi, Amelinha, Zé Ramalho e outros.

Organizador do livro 1973 – O Ano que Reinventou a MPB, Célio Albuquerque escreveu com exclusividade para o DISCOGRAFIA um depoimento sobre sua relação com Tavito. Confiram:

Juca Filho, Célio Albuquerque, Ayrton Mugnaini Jr., Danilo Casaletti e Tavito (Arquivo pessoal de Célio Albuquerque)

Tavito se foi. Mas, a rua Ramalhete (dele e do Ney Azambuja) e a Casa no Campo ( dele com Zé Rodrix) vão continuar por aí alimentando rodas de violão por esse brasilzão…

Como boa parte do Brasil conheci Tavito por essas duas canções e mais outras performances com o Som Imaginário… Mas, foi na estrada digital do Facebook que nos cruzamos. Não sei porque caminhos, começamos a sermos amigos virtuais. E adorava ler seus textos e suas montagens.

Até que começamos a montar o livro 1973 o ano que reinventou a MPB. Como organizador da obra, convidei meu ex-colega de redação Zé Edu Camargo para participar do livro falando do disco de Sá, Rodrix e Guarabyra de 1973, o Terra, já que Zé além de meu amigo era amigo do outro Zé, o Rodrix. Porém, no meio do caminho Zé Edu recebeu uma proposta profissional para ir para o outro lado do globo (ele não é um terraplanista). E pensei, Zé que também é amigo de Tavito poderia fazer a ponte para ele escrever sobre esse disco. E assim foi feito. Começamos a conversar, primeiro por e-mail, depois por telefone. Só que Tavito lembrou em 73 algo que o havia marcado muito mais: a produção do primeiro LP solo do amigo Zé Rodrix. E quando recebo o texto, esse não era sobre o Terra (disco do trio), mas sobre o 1º Acto do Rodrix. Ora, era um disco que merecia estar ali no livro. E lá ficou. Porém, a média solicitada para cada autor era de 10 a 12 mil caracteres. Tavito mandou um texto com mais de 20 mil. Cheio de dedos pedi para ele reduzir. Lá foi ele. O texto passou para 18 mil. E ele disse que não conseguia mexer. Tomei coragem e perguntei a ele se poderia “enxugar”. E ele, com seu humor e modéstia me falou: eu ia te pedir isso. E lá foi o texto publicado mais enxuto, mas puro Tavito.

Em fevereiro de 2014 foi feito o lançamento do livro na livraria Cultura de São Paulo. Tavito, sua mulher Celina e sua filha Júlia, junto comigo, com o editor e autor Marcelo Fróes e mais alguns poucos, fomos os primeiros a lá chegar. E durante todo o tempo ele falou com todo mundo, posou para fotos e só saiu no finalzinho.

Depois nos falamos mais algumas vezes, inclusive ele pedindo dicas para fazer a biografia de um primo. Imagina eu, um suburbano carioca, que não sabe tocar nenhum instrumento, nem é um mestre no escrever, com esse pedido… fiquei todo, todo

Em março de 2018 fizemos um relançamento paulista do livro, com uma roda de conversas  contando com alguns autores, como Ayrton Mugnaini Jr., Juca Filho,  o ex- Secos e Molhados Gerson Conrad, nosso mestre Tavito, Danilo Casaletti e eu. Parecia uma reunião de amigos. E era. E com o Tavito sempre meio que liderando. Afinal de contas, Conrad foi convidado especial dele.

Na sequencia, na produção da série para TV MPB 73 o ano da reinvenção, tive oportunidade de mais uma vez encontrar com Tavito e Celina pessoalmente. O cara, como bom mineiro, sabia contar histórias. E como contava. Agarramos numa prosa sem fim… e com cafezinho e pão de queijo.

Tavito estará sempre com a gente quando cantarmos Rua Ramalhete, Casa no Campo ou folhearmos suas páginas em 1973.

Véio, a gente vai sentir muito a sua falta

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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