Há algo de muito urgente e autêntico em Zélia Duncan. Pra quem a segue nas redes sociais, sabe que seus assuntos vão além da arte e passam pelo feminismo, pela política e pelas questões sociais. Muito atenta a tudo que acontece no Brasil e no mundo, ela se posiciona de forma muito clara e, se for preciso, adota um tom sisudo e dispara sua opinião contra quem ela achar que mereça. Mas isso sem perder a ternura em nenhum momento.

Tanto que seu novo disco, Tudo É Um, tangencia a política e se dedica a falar de amizades, reencontros, parcerias e o sempre bem-vindo amor. “Em tempos truculentos, com tantos discursos de ódio, você se mostrar gentil e alegre é um ato político, uma forma de transgredir”, justifica Zélia, por telefone. No texto de apresentação que ela mesma assina, a cantora conta que o álbum “foi idealizado num momento muito agressivo das nossas vidas, que desembocou no ano de 2019”. No entanto o resultado são 11 músicas doces, calmas e translúcidas. “Foi uma reação inconsciente, querendo ficar consciente. Quando vi o que tinha reunido, tinha essa característica. Com tanta violência, tanta coisa acontecendo, eu acho que estava precisando disso”, continua.

E é a essa conclusão que ela chega: Tudo é Um fala mais sobre o que ela deseja do que sobre o que ela tem visto. Por isso ela alerta que fala de uma positividade importante para seguir, mas sem ser “surtado”. “De uns anos pra cá, eu ando muito atenta ao que me rodeia. Sempre fui assim, mas radicalizei um pouco mais pra que eu possa exercitar a gentileza, o perdão, a amizade, a sororidade com as mulheres. Gostaria que meu disco fosse um alento. Um momento de leveza, mas um tempo pra pensar também”, relativiza.

Muito desses sentimentos e dessa mansidão de Tudo é Um deve-se a Christiaan Oyens, parceiro dos primeiros anos de Zélia Duncan, de quando ela era apontada como a “Johnny Mitchell brasileira”. Eles

Foto: Roberto Setton | Divulgação

andavam profissionalmente afastados há cerca de 10 anos e a reaproximação trouxe de volta aquele aroma do início da carreira da niteroiense que chamou a atenção pelos graves cantando Catedral e Não Vá Ainda. O Que eu Mereço, por exemplo, poderia estar em Acesso (1998). Este folk de Juliano Holanda chegou para Zélia através do compositor pernambucano Almério. “O Almério chegou trazendo o Juliano, o Martins e o PC. Eles estão compondo muito e, depois de gravar essa, eu e o Martins já temos mais três parcerias. Em tempos de muita dificuldade, é importante o encontro”, analisa a artista.

É fato que o clima de Tudo é Um remete ao início de carreira, mas Zélia Duncan, aos 54 anos, 30 deles dedicados à música, está longe de ser uma iniciante. Sua bagagem artística é das mais variadas e sempre coerente. Essa coerência dá a ela a liberdade de fazer o que quer com sua música, sem se preocupar com opiniões ou gerar expectativas de sucesso. “Foi muito tempo fazendo muita coisa. Isso me deu muita tranquilidade pra agora fazer esse disco. A mim cabe fazer, né? Se eu for pensar em quem vai ouvir talvez até fique deprimida. Mas eu pretendo levar esse disco a muita gente e gostaria que um monte de gente ouvisse”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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