Fotos: Autumn Sonnichsen/ Divulgação

Lançado em quatro EPs, o disco Veia Nordestina é um acerto de contas de Mariana Aydar com sua história musical. No início da carreira fonográfica, tanto no projeto especial (disponível nas plataformas digitais) Brasil, Sons e Sabores (2005) como no ótimo Kavita1 (2006), o nome da paulistana ficou muito ligado a uma nova geração de sambistas que surgia no mercado. Mas em Cavaleiro Selvagem Aqui te Sigo, ela se aproximou do Nordeste no disco que traz participação de Dominguinhos e regravação de clássico de Zé Ramalho.

Mas se o disco de 2011 usava o forró como conceito, Veia Nordestina traz o forró por completo. Ou melhor, o “Forró”, com letra maiúscula, como ela fez questão de escrever na longa entrevista cedida por email. O resultado deste mergulho num Nordeste pop, consciente, feliz e dançante pode ser conferido neste domingo, 15, no Cineteatro São Luiz. Mariana Aydar apresenta pela primeira vez em Fortaleza o show deste projeto que começou com quatro EPs e agora está disponível por completo nas plataformas digitais e em CD. “O Forró e o samba, por exemplo, têm muito isso de ser tradicionalista, de parecer meio pecado mexer neles. Mas eu não acho errado colocar roupas diferentes, desde que preservando o Forró pé-de-serra, a alma”, comenta a cantora. Confira entrevista completa.

O POVO – Como é esse novo show? O repertório dos discos anteriores também entra nesse novo espetáculo?
Mariana Aydar – Esse é o show Veia Nordestina, meu agradecimento e minha homenagem ao povo nordestino, à cultura nordestina que tanto me ensinou. Vou cantar músicas que já gravei – o Forró sempre permeou minha vida e o repertório dos meus cinco discos –, de toda minha carreira, mas principalmente do disco mais recente, e outras dos grandes mestres do cancioneiro nordestino, como Dominguinhos e Alceu Valença.

O POVO – Como tem sido a repercussão desse disco/show pelo Brasil?
Mariana – Tem sido maravilhosa! É um show muito dançante, ao mesmo tempo que contemplativo e estou muito feliz de fazer esse show rodar. Sinto que encontrei meu lugar, que é, na verdade, de onde eu nunca saí, porque minha relação com o Forró é muito verdadeira e tudo que é verdadeiro é muito potente.

O POVO – Seu novo disco tem participações especiais de Elba Ramalho, que dispensa explicação num disco com essa temática, e Maria Gadú. Queria que você falasse desses dois nomes num álbum que aborda a música nordestina.
Mariana – Elba é minha grande rainha e madrinha no Forró, minha grande referência. Não poderia pensar em fazer um disco de Forró sem a presença dela. Nós já vivemos muitas coisas juntas, ela é muito generosa. Me abraçou demais no começo da carreira, quando eu nem tinha banda, só a que me acompanhava – Caruá, de Forró. Ela os conheceu e veio falar comigo. E foi generosa, mais uma vez, ao topar esse convite, de contar esse fato real que vivemos juntas – vimos uma luz, um OVNI no céu de Caraíva e Trancoso – então escrevi essa letra (Forró do ET) e a convidei pra cantar. Fico muito feliz como compositora de ter uma música cantada pela Elba. No Veia Nordestina eu quis muito colocar a mulher como protagonista, falar das questões da mulher e desse assunto no Forró. O estilo tem muitas letras machistas, a mulher nunca está como protagonista, é sempre a dama do cara que sente ciúme dela no baile, ou a mulher que provoca dançando no baile… Difícil vê-la falando de suas emoções, sentimentos e vontades – quem fez muito isso foi, justamente, a Elba. A Maria é uma grande amiga, uma artista que admiro muito. A discussão do feminismo eu tenho muito com ela e, enquanto amiga e militante, Maria me ensina muito. Além disso, é uma grande forrozeira. Ia nos meus shows no KVA, em São Paulo, há muito tempo, dança muito bem, ama Forró. Maria é muito amiga da Juliana Strassacapa, (vocalista e percussionista) do Francisco, El Hombre, que escreveu Triste, louca ou má com os companheiros de banda. Me apaixonei por essa música! Ela mudou minha vida. Aprendo muito, até hoje, quando canto. Já tinha cantado com a Maria em alguns shows e, na última vez, me deu esse estalo de chamá-la pra gravar e representar toda militância feminista. Ela é uma pessoa que me abriu muitos pontos de vista, portas e lugares dentro de mim mesma.

O POVO – Chico César certa vez fez uma crítica àquilo que ele chamou de “forró de plástico”, se referindo a uma parcela mais comercial do forró. Qual sua opinião sobre esse rótulo e ao trabalho de bandas que se afastam da tradição e apostam mais num aparato tecnológico?
Mariana – Minha relação com o Forró sempre foi subversiva, isso sempre foi inerente. Acho que a gente pode experimentar as coisas. O Forró e o Samba, por exemplo, têm muito isso de ser tradicionalista, de parecer meio pecado mexer neles. Mas eu não acho errado colocar roupas diferentes, desde que preservando o Forró pé-de-serra, a alma. Quis seguir nessa minha experiência subversiva trazendo outros elementos. Foi tudo bem pensado e esse foi um dos princípios do Veia Nordestina. Com isso, vieram outros públicos. É muito doido, mas muitas pessoas conheceram Forró através do meu trabalho – fico feliz e triste, ao mesmo tempo. Ainda há muito preconceito com Forró. Às vezes alguém ouve e fala “nossa, isso é Forró! Gostei!” e aí fica mais fácil dessa pessoa ouvir um pé-de-serra, mais tradicional, e se encantar do mesmo jeito, porque é o que o Forró é: encantador.

O POVO – Que discos ou artistas foram importantes pra construção do repertório desse novo disco? Quem você usou como referência?
Mariana – Dominguinhos sempre é uma referência muito grande nas minhas músicas, principalmente num disco de Forró, porque ele inovou muito dentro do estilo. Os discos dele dos anos 1970 são grandes referências não só pro Veia Nordestina, mas todos os outros. Ele mexeu numa questão estrutural, de ritmos, e uniu músicos maravilhosos. Tem músicas dele com arranjos do Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Toninho Horta, Luizão… E são discos que eu não sinto que ele tenha explorado tanto, que ficam meio esquecidos na discografia, mas acho que são alguns dos mais revolucionários de Forró: Oi, Lá Vou Eu e Menino Dominguinhos foram muito importantes pra mim. Ouvimos, também, bastante cumbia (música típica colombiana), Bomba Estéreo (banda), Banco (artista português)… Mas as referências anteriores são as mais fortes: nordestinos que me mostraram, desde sempre, que a Música Nordestina não precisava ser nem nomeada como tal, mas como “Música Brasileira”, autêntica e totalmente autoral – como Chico César, Lenine, Zeca Baleiro. No início dos anos 2000 eles abriram muito a minha cabeça.

O POVO – Uma das suas preocupações com esse disco foi uma renovação do discurso, principalmente em relação à mulher. Como você tem percebido essa relação do público com o discurso feminista? Acha que as pessoas têm tomado mais consciência sobre o tema?
Mariana – A gente vive um momento muito importante do mundo e, especialmente, do feminismo. A mulher está, finalmente, entendendo o tamanho do seu poder, da sua responsabilidade e força. Enquanto artista, foi muito urgente falar sobre isso, porque eu me aprofundo e inteiro e me emociono sobre isso cada vez mais. Vejo essa reverberação nas pessoas no mesmo lugar, principalmente as mulheres, que se veem representadas por esse discurso, essas músicas, atitudes. Mulheres juntas que querem transformar muita coisa.

O POVO – Você foi responsável por um documentário sobre o Dominguinhos e agora, para esse novo trabalho, produziu uma série de minidocs sobre a história do forró. Que espaço o cinema ocupa na sua obra? É algo em que pretende investir?
Mariana – Gosto muito de Cinema e Audiovisual, mas não é algo que eu almejo que ocupe mais tempo. Acaba que eu sinto ser uma expressão muito forte que também comunica, artisticamente, o que eu quero falar. Chega muito fácil nas pessoas. O documentário do Dominguinhos foi um ato, até, de ingenuidade da minha parte. Era muito nova e muito apaixonada (ainda sou) por ele. Foi um ato de loucura, paixão, amor. Os mini-documentários serviram para construir e contar uma história. No Forró ainda não existem muitos registros, mesmo da minha época – começo dos anos 2000, o “boom” do Forró. Tem muita gente que tá chegando agora no estilo, com seus 25 anos, e nem sabe dessa história. Achei importante fazer uma contextualização do Forró e minha caminhada dentro dele. A websérie foi dirigida pelo Joaquim Castro e Delani Lima. O Joaquim também dirigiu comigo e Eduardo Nazarian o filme do Dominguinhos. Ele é uma das muitas pessoas que o Forró me deu, dos muitos amigos. O Forró é, pra mim, um estilo de vida, um lugar de encontros e pessoas que dividem uma mesma paixão.

O POVO – Por conta do trabalho dos seus pais, você conheceu o Luiz Gonzaga quando era bem pequena. Que lembrança você tem desse encontro?
Mariana – Desde muito cedo eu tive contato com o Forró, pela maior porta da frente possível, Luiz Gonzaga. Fui muito sortuda de conhecê-lo novinha! Gostei muito da figura dele, fiquei muito curiosa com aquela pessoa exótica e fui conhecer o que ele tocava, cantava e fazia. Minha mãe trabalhava com ele. Ganhei dele um disco e uma boneca e, desde então, o Forró nunca mais saiu da minha vida e me deu muitos presentes – minha filha (conheci o pai dela no Forró), o Joaquim Castro (além de diretor maravilhoso, meu parceiro de dança), muitos amigos e aprendizados.

O POVO – Que imagem ele deixou em você ainda tão pequena?
Mariana – Eu era uma criança. Para uma criança, Luiz Gonzaga era uma mistura de Elvis Presley com Papai Noel, com um vovô… Uma junção de coisas muito fortes para uma criança. Ele gostava muito da minha mãe. Quando vinha para São Paulo, ficava muito com meu avô materno e com ela. Um dia fomos ao Shopping Iguatemi, que tem um relógio enorme de água, e Luiz Gonzaga ficava indo e voltando, olhando. Nesse dia ele resolveu me dar um presente e eu falei pra minha mãe que queria uma boneca do modelo que eu colecionava. Minha mãe disse pra aceitar o que ele quisesse me dar e eu ganhei uma noiva gigante. Em um dos seus discos tinha uma música chamada Mariana, que eu gostava muito, e ele fez pra neta, mas tinha certeza que era pra mim. Luiz Gonzaga nunca desmentiu. Muito fofo! Ele era muito legal, muito generoso.

O POVO – Assim como o samba, o forró e outros ritmos nordestinos serviram como instrumento de denúncia sobre desigualdades e outras questões sociais – sua música Na Boca do Povo é um bom exemplo disso. Que importância você vê em lançar um disco de forró no atual contexto político nacional?
Mariana – O Nordeste nos mostra, mais uma vez, a que veio. O povo nordestino sabe amar, receber, viver e votar. Nada mais lindo que exaltar essa região nesse momento político. O Forró tem um jeito irreverente de falar das coisas. Dá um soco com luva de pelica. Fala das dores de uma forma bonita, não necessariamente dramática ou dolorida. Tem sempre algo como “está doendo, mas vou seguir”. A força do nordestino, apesar de todas as adversidades. Na Boca do Povo entra muito aí – falando de todos esses temas, de maneira engraçada e leve, mas, nem por isso, menos séria ou importante.

Mariana Aydar – Veia Nordestina
Quando: domingo, 15, às 18 horas
Onde: Cineteatro São Luiz (Rua Major Facundo, 500 – Centro)
Quanto: R$30 (inteira) e R$15 (meia)
Telefone: 3252 4138

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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