Foto: divulgação

Por Marcos Sampaio

“Existe algo na transmissão de boca em boca que você não pode desmerecer. Na verdade, me senti grato, pois aquilo me deu status e, melhor ainda, era o tipo de status que ninguém podia perverter. Afinal de contas, você não pode esquentar com grafitti. É algo que vem das ruas”. As palavras de Eric Clapton sobre o famoso apelido pixado pelos muros de Londres, nada menos que “Deus”, são bem conflitantes.

Na autobiografia de 2007, obrigatória para os fãs de rock, ele parece desconcertado quando analisa o fato de ter se tornado uma entidade mítica na música. Ao mesmo passo que vê um exagero nesse endeusamento, ele não nega o que fez. “Na real, eu não queria esse tipo de notoriedade. Eu sabia que traria algum tipo de problema. Mas outra parte de mim gostou da ideia, de que o que eu vinha cultivando todos aqueles anos finalmente estivesse obtendo algum reconhecimento”, relativiza o guitarrista no livro.

Deus ou humano, Eric Patrick Clapton completou nesta segunda, 30, seus 75 anos, dos quais quase 60 foram dedicados à música. Na verdade, desde a adolescência, o inglês nascido na vila de Ripley, no condado de Surrey, encontrou na música um ambiente para desaguar suas angústias e incompletudes. E isso começa na infância, quando ele descobre que aqueles que ele chamava de pai e mãe eram seus avós e que ele era filho da “irmã”. Se esse imbróglio já foi grande demais pra caber naquela cabecinha de criança, também não fácil expurgar a dor de perder um filho num acidente trágico – e que ele transformou em Tears in heaven, balada tão doce quanto sofrida, que lhe rendeu três prêmios Grammy.

Ah, mas se o assunto for prêmios e gravações de sucesso esse texto vai se estender bem mais. Olhando de longe, Clapton nunca soube o que é ostracismo e muitas das bandas das quais fez parte viraram história. Seu início com os Yardbirds foi poderoso, mas ele e seguiu ao lado de John Mayall and The Bluesbreakers. O passo seguinte foi no Cream, o primeiro grande power trio da história do rock. E o primeiro ensaio de projeto solo, ainda com nome de banda, Derek and The Dominos, lançou apenas um disco, mas com a avassaladora Layla como single.

 

Mas o fato é que não se reconhece o valor de Eric Clapton pela velocidade dos solos ou pelo volume de sucessos. Bem mais do que um deus, ele só quer ser reconhecido como um fiel seguidor dos mestres do blues. Uma rápida olhada nas suas capas de disco e o que se vê é um homem introspectivo, sério, firme com sua companheira guitarra. O que se vê em Slowhand (1977) é só um acorde. Em Jorneyman (1989), apenas um perfil e algumas rugas. Em Ridding With The King (2000), é ele quem dirige para BB King. Em Clapton (2010), cabelos brancos e óculos de grau. E em Old Sock (2013), chapéu, barba mal feita e um ar de “é só isso mesmo”.

Difícil ver nessas capas de discos o deus, uma egotrip, o superstar que consumiu boas quantidades de álcool, heroína e outras substâncias que quase o mataram. Não, o que Eric Clapton faz é pela música. Desde celebrar a memória de George Harrison no luxuoso Concert For George (com o mais belo e cortante solo de While My Guitar Gently Weeps), passando por juntar as joias deixadas por Robert Johnson, até reunir uma infinidade de guitarristas no festival Crossroads. Pela dedicação dispensada, Eric Clapton está mais para servo do que para deus. Vai ver que é aí que está sua divindade.

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About the Author

Mariana Amorim

Jornalista, apaixonada por comunicação e envolvida com música! Acha que uma bela canção pode mudar o mundo. Coleciona livros, discos de vinil, imãs de geladeira e blocos de anotação. Apaixonada pelos garotos de Liverpool e pelo rapaz latino-americano.

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