A notícia da morte de Aldir Blanc, no último 4 de maio, veio seguida de muitas homenagens a um dos mais importantes compositores brasileiros. Letrista famoso por falar dos anônimos, o carioca merecia uma estátua gigante, teses sobre sua obra, bandeiras a meio pau, toda e qualquer homenagem. Sua contribuição para a cultura nacional foi imensa. Só pela co-autoria de O Bêbado e a Equilibrista, ele já mereceria mais que marias e clarices chorando.

A gravação lançada em 1979 por Elis Regina, no disco Essa Mulher, é indiscutivelmente um dos momentos mais felizes da música brasileira. Tirando inspiração sabe Deus de onde (talvez dele mesmo), ela pegou mais um samba da grife Aldir-João Bosco e elevou à sua enésima potência.

Curiosamente, naquele mesmo ano outra cantora gravaria este samba, no mês de maio, num estúdio carioca, sua terra natal. Renata Lu foi um mistério para este colunista ao longo de 11 anos. Nenhum vídeo no youtube, nenhuma entrevista ou biografia mais aprofundada. As únicas informações sobre a discografia e algo da vida daquela morena sorridente estavam num site, hoje extinto. E assim ela permaneceu até a morte de Aldir voltar a atiçar a curiosidade jornalística.

Consultando pesquisadores, músicos e jornalistas de alguns cantos do Brasil, cheguei a um parente que, após um contato por redes sociais, muito prontamente me respondeu que Renata Lu está viva, para alívio dos que lamentam sua morte em comentários da internet. Segundo Rodrigo Machado, casado com uma sobrinha-neta da cantora, Renata, hoje, com 65 anos, vive reclusa numa clínica por conta de uma doença degenerativa hereditária – Ataxia Espinocerebelar, que já havia atacado sua mãe e uma irmã. Embora totalmente lúcida, ela teve a voz e a locomoção comprometida.

A gravação de Renata Lu para O Bêbado e a Equilibrista está no disco Tô Voltando, que leva o nome do samba que Simone gravaria naquele mesmo ano com enorme sucesso – e sim, ela também gravou este samba de Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós. O álbum teve tratamento luxuoso, com produção de Paulinho Tapajós e participação de músicos como Ivan “Mamão” Conti, Zé Menezes, Dino 7 Cordas e Armando Marçal. No repertório, além desses dois clássicos nacionais, uma linda versão de Quando tu passas por mim (Vinicius de Moraes/ Antônio Maria) e a melancólica Quero Sim (Leci Brandão/ Darcy da Mangueira).

Há alguns meses, um empresário português entrou em contato querendo relançar outro álbum de Renata Lu, o Sandália de Prata, de 1976, com canções de Cartola, Nelson Cavaquinho, Heitor dos Prazeres e outros. No entanto, a negociação não se concretizou. Rodrigo não sabe detalhes sobre a discografia da sambista cujo timbre de contralto lembra muito o de Clara Nunes. Renata, inclusive, teria vencido Clara em festival de música. Ela ainda foi amiga de Beth Carvalho, Alcione e andava muito com as Chacretes. Gravou vários compactos e lançou o primeiro LP em 1971, que tem entre os destaques Sambaloo e Manias, famosa na voz de Dolores Duran

Estreando no início dos anos 1970, Renata Lu foi além do samba, encostou na black music, na jovem guarda e deixou uma história bonita ser redescoberta. Em seu tempo de trabalho, viajou o mundo, chegou ao Japão com sua voz e nossa música. Numa época de tantas sambistas que ganharam notoriedade e popularidade, Renata não teve a mesma projeção. Mas sua música segue disponível em algumas plataformas e pode – deve – lhe trazer o reconhecimento merecido.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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