No dia 8 de dezembro de 2020, uma das artistas mais ímpares da música brasileira completou 85 anos. Alaíde Costa, carioca, cantora e compositora, é dessas que se entrega à canção como se fosse um caso de vida ou morte. A emoção é sempre seu instrumento mais afinado, sua tábua de salvação, seu ar e seu sangue. “Você canta bem, mas canta difícil”, disse Ary Barroso quando a recebeu em seu programa de TV, em 1952. Não sei se difícil, mas a profundidade do seu canto é algo único.
Naquela ocasião do festival, Alaíde tirou um anel da mão e presenteou Wisnik. O gesto, 52 anos depois, batiza o encontro entre autor e intérprete. A faixa-título, uma das três inéditas do tributo, é criada sobre uma famosa brincadeira de roda. Cantada em dueto, Wisnik e Alaíde se envolvem numa melodia misteriosa, e misturam fatos e poesia pra contar aquela história. A propósito, Alaíde nunca se conformou como resultado do festival.
Entre as joias guardadas em O Anel está Saudade da Saudade, parceria de Wisnik e Paulo Neves, que chega a arder de tanta melancolia. A composição transporta o ouvinte para uma boate com cheiro de cigarro e som de copos de vidro batendo. O piano de Wisnik parece escolher bem as notas para que nada soe em excesso, enquanto Zeca Assumpção (baixo) e Sérgio Reze (bateria) fazem uma discreta e eficiente retaguarda.
Se Ary Barroso achava que Alaíde cantava difícil, as composições de Wisnik também não estão aqui pra facilitar nada. A psicanalítica Por um fio (gravada em 1996 por Edson Cordeiro) é uma prova disso. E tem Aparecida, que abre o disco com uma delicadeza de sol de fim de tarde. E ainda Laser, que tem algo de medieval nos detalhes. Em cada uma, Alaíde Costa mastiga sílaba a sílaba, busca novos sabores, arrendonda arestas e devolve ao ouvinte com uma sensação de dever cumprido.
Como lançamento oficial, o disco rendeu uma live dentro do projeto “Em Casa com Sesc”. Gravado no Sesc Pinheiros, o show conta com os mesmos músicos que participaram do disco, todos resguardados pela distância necessária no combate à pandemia. Um pouco mais próximos, Wisnik e Alaíde – que já planeja um novo disco produzido por Emicida – cantam e contam histórias desses muitos anos de amizade. É pura beleza. Está disponível no Youtube. Confira a seguir: