José Miguel Wisnik e Alaíde Costa (Foto: Jacob Solitrenick/ Divulgação)

No dia 8 de dezembro de 2020, uma das artistas mais ímpares da música brasileira completou 85 anos. Alaíde Costa, carioca, cantora e compositora, é dessas que se entrega à canção como se fosse um caso de vida ou morte. A emoção é sempre seu instrumento mais afinado, sua tábua de salvação, seu ar e seu sangue. “Você canta bem, mas canta difícil”, disse Ary Barroso quando a recebeu em seu programa de TV, em 1952. Não sei se difícil, mas a profundidade do seu canto é algo único.

Esse aniversário, que deveria ser comemorado com pompas em todo o País, foi marcado pelo lançamento do disco O Anel – Alaíde Costa canta José Miguel Wisnik. O projeto do Selo Sesc eterniza uma parceria que começou em 1968, quando Wisnik, então com 20 anos, escolheu Alaíde para interpretar Outra viagem no Festival Universitário da Canção Popular, da TV Tupi. Na lista de intérpretes, ele tinha como opções os nomes de Elis Regina, Lúcio Alves e Claudette Soares, por exemplo. A canção ficou em quinto lugar, e um laço foi criado para não ser mais desatado.

Naquela ocasião do festival, Alaíde tirou um anel da mão e presenteou Wisnik. O gesto, 52 anos depois, batiza o encontro entre autor e intérprete. A faixa-título, uma das três inéditas do tributo, é criada sobre uma famosa brincadeira de roda. Cantada em dueto, Wisnik e Alaíde se envolvem numa melodia misteriosa, e misturam fatos e poesia pra contar aquela história. A propósito, Alaíde nunca se conformou como resultado do festival.

Entre as joias guardadas em O Anel está Saudade da Saudade, parceria de Wisnik e Paulo Neves, que chega a arder de tanta melancolia. A composição transporta o ouvinte para uma boate com cheiro de cigarro e som de copos de vidro batendo. O piano de Wisnik parece escolher bem as notas para que nada soe em excesso, enquanto Zeca Assumpção (baixo) e Sérgio Reze (bateria) fazem uma discreta e eficiente retaguarda.

Se Ary Barroso achava que Alaíde cantava difícil, as composições de Wisnik também não estão aqui pra facilitar nada. A psicanalítica Por um fio (gravada em 1996 por Edson Cordeiro) é uma prova disso. E tem Aparecida, que abre o disco com uma delicadeza de sol de fim de tarde. E ainda Laser, que tem algo de medieval nos detalhes. Em cada uma, Alaíde Costa mastiga sílaba a sílaba, busca novos sabores, arrendonda arestas e devolve ao ouvinte com uma sensação de dever cumprido.

Como lançamento oficial, o disco rendeu uma live dentro do projeto “Em Casa com Sesc”. Gravado no Sesc Pinheiros, o show conta com os mesmos músicos que participaram do disco, todos resguardados pela distância necessária no combate à pandemia. Um pouco mais próximos, Wisnik e Alaíde – que já planeja um novo disco produzido por Emicida – cantam e contam histórias desses muitos anos de amizade. É pura beleza. Está disponível no Youtube. Confira a seguir:

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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