Edinho VIlas Boas

Por Chico Araujo, poeta, professor e querido amigo

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Poema “Mãos dadas”, de Carlos Drummond de Andrade no livro Sentimento do mundo

Decidi iniciar esse texto estabelecendo intertextualidade com a epígrafe, excerto de poema de Carlos Drummond de Andrade. Mãos dadas é um dos poemas de Drummond pelo qual expressa sua visão de mundo perceptiva de existência humana conflituosa, conflitos esses muitas vezes causados pelo próprio homem, quando age de maneira a causar misérias, tragédias, desamparo à própria espécie.

Nos dois últimos versos da epígrafe que é exatamente a primeira estrofe do poema bastante conhecido, o eu lírico que nos fala propõe ser seu “presente” impossível de dimensioná-lo, tamanhas as incertezas quanto a ele mesmo e ao futuro, daí sugere estarem todos próximos, preferencialmente unidos, sem grandes afastamentos. O elo a uni-los seriam as mãos, as mãos dadas.

Os casais enamorados andam de mãos dadas. Os amigos se dão às mãos e metaforicamente não as largam. O eu lírico propõe um andar junto, parceiro, amigo, um caminhar no qual os pesos de dores são divididos para se tornarem melhores ao carregamento. As pessoas se tornam amigas, quando se disponibilizam em atendimento às necessidades do outro, deixando de pensar somente em si para se redimensionar em ação benfazeja ao próximo.

Empatia e altruísmo. Eis duas palavras que carecem de repercutir em cada um de nós nesse momento tão difícil pelo qual passamos. Empatia e altruísmo nos permitirão andar “de mãos dadas”, próximos uns dos outros, amigos de longo ou pouco tempo, sensíveis às carências de cada um, sem afastamentos largos, coesos e refeitos diariamente pelo valor de sentir esperança. Esperança do verbo Esperançar, pois ele nos leva às ações necessárias ao esquecer-se um pouco de si em favor da enxerga da visibilidade do outro.

Vi um momento assim, na sexta-feira, 19 de março, a data em que nós, nordestinos, nos confraternizamos com São José, oferecendo-lhe orações e solicitando dele o envio de boas chuvas para não se ter seca na região. Pois bem, às 19 horas, Henrique Torres (violão e voz), Edinho Vilas Boas (violão e voz) e Daniel Domingues (teclados) subiram ao “palco virtual” da Live Cultural SindJustiça Ceará, evento poético-musical que buscou, além da possibilidade de brindar à assistência com um show de grande qualidade, tocar a sensibilidade das pessoas, no sentido de que, em gesto de empatia e altruísmo, pudessem conceder a muitos músicos do Ceará e suas famílias, o alento do “pão de cada dia” nesse momento de muita falta a eles.

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O espetáculo –  que teve Bira Matos na responsabilidade da produção de áudio e vídeo – foi aberto com poema no gênero cordel, a partir de fala de Deusimar Rodrigues, representante da área cultural do SindJustiça-CE. No poema, a exaltação ao encontro, ao público conectado naquela programação pelas redes sociais, aos artistas ali presentes, aos demais artistas que compõem o naipe da inequívoca exuberância da música cearense. Além do exaltar, o poema alertou para o momento de necessidade enfrentada pelos muitos músicos no Estado e mesmo solicitou, em seus versos finais, partilha, solidariedade de quem os assistia em condições de contribuir: “Essa pandemia tomou nossa liberdade/ De muita gente a renda ela levou/ E a vida de muitos amigos ela ceifou/ Deixando um lastro de dor e de saudade/ Por isso, é tempo de solidariedade/ Se você tem condições de ajudar/ Durante a Live, por favor depositar/ Qualquer ajuda será melhor que nada/ Pois essa arrecadação é destinada/ Ao Sindicato dos músicos do Ceará”.

Na sequência, se ouve a primeira canção (que já estava presente como fundo musical para a leitura de Deusimar Rodrigues), Guardanapos de Papel (Carlos Sandroni / Léo Masliah), na voz de Edinho Vilas Boas. Um início impactante, dada a beleza da letra, da melodia, da interpretação do cantor, uma interpretação de intensa sensibilidade. Na live, Edinho tem pelo menos mais um grande momento, quando interpreta a música Sorri (Smile), de Charles Chaplin.

Henrique Torres, também músico cearense com amplo domínio do violão que faz vibrar, em seu primeiro canto, brinda o público com Azul da cor do mar (Tim Maia), acompanhando-se da base realizada por Daniel Domingues. Entre falas, depoimentos, exortações, o encontro segue, entremeando leitura poética com exibição de músicas de maneira aparceirada, ou individualizada. Em qualquer dessas modalidades, Henrique e Edinho mantiveram-se felizes em suas apresentações, alternando músicas autorais com as do cancioneiro popular brasileiro, sempre acolhidos nos teclados subordinados à destreza de Daniel.

Em uma hora e meia de verdadeiro espetáculo, leveza e seriedade, sensibilidade e atitude, exibição e empatia, vontade e altruísmo, Henrique Torres, Edinho Vilas Boas, Daniel Domingues, também Deusimar Rodrigues se deram as mãos e se uniram em benefício de uma causa nobre – arrecadar fundos capazes de gerar alimentos a artistas de ofício semelhante ao deles. A necessidade é medonha, e ações para neutralizá-la são urgentes. Cientes da precisão e conscientes de poderem ajudar, reuniram-se e se puseram em benefício do outro, estabelecendo afagos e sorrisos em forma de solidariedade.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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