Paulo “Pauleira” Malaguti e Augusto Martins (Foto: Divulgação)

Por Célio Albuquerque

Em parceria com o pianista Paulo Malaguti, o cantor Augusto Martins está lançando ainda no primeiro semestre de 2021 o álbum Como canções e epidemias, com 14 faixas da obra de Aldir Blanc, o Brado da Muda (bairro no Rio de Janeiro que Aldir viveu por muitos anos). As músicas ainda não foram totalmente selecionadas. Apenas seis, até o fechamento desta matéria. E Augusto e Paulo Pauleira Malaguti aguardavam uma participação super especial no álbum.

Não é o primeiro álbum de canções em homenagem ao letrista falecido em 4 de maio de 2020, aos 73 anos, vítima de covid-19. Há pelo menos dois belos álbuns, lançados por Dorina e Mariana Baltar.

Intérpretes, no Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, por exemplo, não são muito afeitos a fazerem songbooks (ou álbum de canções) de um compositor e seus parceiros. Claro que acontece. Chico Buarque, Roberto Carlos e Caetano Veloso tem, mais de um. Por outro lado, Augusto Martins gosta de álbuns de canções de um compositor e tem em sua discografia trabalhos em homenagem a Tom Jobim (com Malaguti), Djavan, Zé Keti (com o violonista Marcel Powell) e Ismael Silva (com o também violonista Cláudio Jorge).

Do tributo a Aldir Blanc, uma das duas faixas que já está nas plataformas de streaming. É Caça à raposa, de Aldir e João Bosco, letra da qual Augusto se inspirou para tirar o nome ao novo álbum. João Bosco, ouviu essa e outras canções do projeto e aprovou em mensagem enviada para o intérprete: “Gostei muito da forma como foram abordadas essas canções, tanto no que diz respeito ao duo de voz e piano, quanto ao entrosamento desse duo. Tanto interpretação de voz e piano partem de uma concepção original para buscar um registro de muita personalidade e novos caminhos em cada canção. Isso é tudo que um compositor deseja quando há um outro olhar sobre sua canção. Parabéns! Um grande abraço e aplausos pra você e Paulinho”.

A gênesis, entre altos e baixos
O projeto surgiu entre a acasos e reviravoltas do primeiro ano de pandemia. Procurando em seu computador uma música inédita, Augusto Martins acabou encontrando uma gravação sua da clássica parceria entre Aldir e Sueli Costa, Altos e baixos, um dos últimos sucessos de Elis Regina. A gravação tinha então 15 anos. Uma debutante que se convidou para dançar. “Aquela ‘pancada’ do Aldir com a Sueli Costa. Me dei conta da possibilidade de mergulhar na obra dele com essa lente do piano e voz. Lugar maravilhoso pro cantor com o Pauleira. O Aldir foi muito gravado por mulheres. A voz masculina, não considerando os cantautores, anda meio de lado na grande canção brasileira. E perfeito pra ser gravado nesses tempos de isolamento social. No estúdio… Eu numa sala, Pauleira na outra e o técnico em outra…”, rememora Augusto, conterrâneo da Tijuca e arredores de Aldir, para quem já havia cantado em dois shows de aniversário do letrista… Com ele presente.

Augusto Martins com Aldir Blanc, homenageado do seu novo disco (Foto: divulgação)

“Pouco depois de começarmos a formatar o projeto, Aldir Blanc adoece… Covid… Nesse momento da pesquisa de repertório me deparo, com a incrível atualidade de Caça à raposa… ‘Recomeçar como canções e epidemias. Como as colheitas, como a lua e a covardia. Como a paixão e o fogo’. Nunca tive tanta certeza e inquietude de fazer um trabalho”, sentencia o cantor.

O critério para escolha de repertório foi a partir de dois prismas: as paixões dos dois artistas (de Augusto e de Pauleira) e uma pesquisa profunda. “Li todas as letras. Todas. Escolhemos separadamente aquilo que cada um achava que não podia faltar ou que nos fosse muito especial, sendo raro ou sucesso. Não importava. Com a clareza de que não queríamos fazer um álbum revisitando apenas sucessos dessa obra tão vasta e multifacetada”, comenta Augusto.

Os dois juntaram suas listas pessoais e à partir daí, um outro trabalho: apuraram quantas gravações e quem as tinha gravado. “Passamos a algo de equilibrar os vários parceiros e ao convencimento entre nós dois do porque uma canção tinha que entrar. Fizemos esse processo de forma generosa e apaixonada. Ouvindo o outro de coração aberto. E tudo foi se encaixando, amadurecendo”, relata Martins, que depois ligou para Moacyr Luz, que durante anos morou no mesmo prédio de Aldir, para sondar se havia alguma parceria inédita entre os dois. Havia, e claro, entrou no álbum Muito além do jardim.

Caçando esmeraldas no repertório, até o momento estão certas em Como canções e epidemias:
Caça à raposa” (Aldir / João Bosco) – A canção de onde saiu o título do trabalho. Chegou nas plataformas de streaming dia 16 de abril de 2021.
Filho de Núbia e Nilo (Aldir / Moacyr Luz) – A gravação tem na participação de Zé Renato (ex-Boca Livre) e foi gravada nos padrões de tempos pandêmicos: Zé na casa dele, Augusto e Paulo Malagutti Pauleira no estúdio.

Altos e baixos (Aldir/ Sueli Costa) – A primeira música do álbum a ir para o streaming (julho de 2020). Um desafio extra para uma música que teve belas e diferentes gravações. Elis, Sueli, Claudette Soares com Leandro Braga, Zé Luiz Mazziotti e Belchior, entre outros.

Odalisca (Aldir/ Guinga) – Gravada originalmente no primeiro disco de Guinga – Simples e Absurdo, lançado em 1991 com vocais do grupo Be Happy. No primeiro momento que Aldir ouviu a melodia de Guinga, quando ia letrar, percebeu uma citação de Monalisa, música de Ray Evans e Jay Livingston, gravada por Nat King Cole, com grande sucesso.

Por Favor (Aldir/ Ivan Lins) – A versão da dupla estará nas plataformas dia 21 de maio. Lançada originalmente no disco Na ponta da língua, de 1998, de Leila Pinheiro, com participação especial de Ivan. Também foi gravada por Simone, também com participação de Lins, no disco Baiana da Gema, de 2004.

Muito além do jardim (Aldir/ Moacyr Luz) – Inédita, fala de um passado que um vento mal despetalou. Confira a letra abaixo:

Que maravilha a buganvilia
E o calmo dela no verão
As flores tantas vêm dizer
Que choram por mim
Ai, o meu passado um vento mau despetalou
Ai, o meu futuro, quem levou?

Cresce a lembrança no meu coração
Feito a buganvília ela cresce sem parar
Não é bem saudade porque jamais deixou de ser
O tempo vivo em mim, ai

Já não existe o velho casarão
Mas a buganvília, essa cresce sem parar
E chora por mim lembrando de alguém
Na casa ao lado
Que foi o meu grande amor

Já não existe o velho casarão
Mas a buganvília, essa cresce sem parar
E chora por mim lembrando de alguém
Na casa ao lado
Que foi o meu grande amor

A sempre-noiva
A sanguinária
Que eu plantei e não vingou

Um pouco sobre Pauleira
Um dos fundadores dos grupos Céu da Boca e do Arranco de Varsóvia, em 2012 Malagutti foi convidado a fazer parte do MPB4, com quem já lançou CD assinando músicas e arranjos. Pauleira tem uma longa e respeitável estrada no mundo da música vocal. Rege grupos vocais e corais. Como arranjador e pianista, trabalhou com Nana Caymmi, Danilo Caymmi, Nelson Gonçalves, Roberta Sá, Adriana Calcanhoto, Simone, João Donato, Clara Sandroni, Lisa Ono, Guinga, Augusto Martins, Verônica Sabino, Andrea Dutra e Ithamara Koorax. Paulo Malaguti Pauleira tem dois álbuns solos, um lançado em 2011 (Larga do meu pé, Bossa Nova) e em 2017 (Segundo Pauleira).

Mais um pouco sobre Augusto Martins
O primeiro disco de Augusto, lançado em 2002, é uma ode para obra de Djavan. Um disco que passou despercebido, mas, tem um “ar extremamente radiofônico”, aspas nossa. O disquinho contou com participações de Beth Carvalho, Leila Pinheiro, Fátima Guedes, João Donato, Aquarela Carioca, Seu Jorge e Yamandú Costa. Entre 2002 e 2005 foi incluído em cinco coletâneas de música brasileira: três no Japão, uma na França e uma na Inglaterra.

A primeira parceria fonográfica com Pauleira foi em 2017, com o disco “Piano, Voz e Jobim” (Mills Records) em homenagem aos 90 anos que faria o maestro soberano. O CD conta com a participação especial de Ivan Lins.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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