Não lembro a primeira vez que ouvi Elis Regina, mas sei bem quem botou o disco na vitrola. Assim como para este colunista, muitos artistas cearenses foram influenciados pelas músicas preferidas de suas mães. Confiram histórias dessa relação cercada de amores e algumas das mais belas trilhas sonoras

Lídia Maria e Miriam (acervo pessoal)

Minha mãe tinha o hábito de, aos domingos, escutar programas de rádio que tocavam exclusivamente Roberto Carlos durante horas seguidas. Eu acordava ouvindo esse repertório e adorava. Conheci bastante coisa da obra dele que, com certeza, influenciou muito na minha musicalidade. Gostar de Roberto me aproxima da minha mãe.

Lídia Maria, cantora e compositora

Annalies, Maria do Socorro e Júnior, marido de Annalies (acervo pessoal)

Minha mãe sempre foi fã de Roberto Carlos, então posso dizer que a era dos discos do rei dos anos 1980/90 eu conheço a maioria das músicas. Lembro de acordar com o disco tocando na vitrola nos fins de semana e também dos especiais no fim de ano, programação já certa dos nossos natais. Para mim, esse encontro com as narrativas das composições de Roberto Carlos foi especial e me pego cantando as músicas daquela época porque foram as mais marcantes da nossa trilha sonora da vida.

Annalies Borges, atriz e cantora do grupo 5 em Ponto

Rita Tereza e Mel Mattos (acervo pessoal)

Minha mãe me apresentou uma das maiores referências pra mim de artista, de cantora, que é a Elis Regina. E o mais interessante é que ela contava muito pra gente, somos quatro filhos, que quando ela era jovem era muito comparada à Elis Regina por que elas eram muito parecidas. Ela falou que tinha um cabelo longo, e na época que a Elis tinha o cabelo bem curtinho, ela cortou também por que, como as pessoas achavam ela parecida, ela queria ficar mais parecida ainda. Através dessa história, a gente passou a conhecer a Elis Regina que se tornou uma das grandes artistas que tocavam na nossa casa e que tornou-se uma grande referência de cantora, de mulher, pra gente, pra mim. Então, Elis Regina, sem dúvida, foi a artista que a minha mãe me apresentou. De uma forma muito inusitada. E é a artista que é minha maior referência.

Mel Mattos, cantora e compositora

Jord Guedes e Helena (acervo pessoal)

Lembrei imediatamente de uma que ela ama cantar e tocar, “Mia Gioconda”. Nas reuniões de família, quando podíamos fazer, era sagrado a execução dessa. Ela canta na segunda voz e toca ao violão, e minhas tias na primeira. O disco com certeza é “Ritorna”, músicas italianas, lançado nos idos de 1980. Ouvi demais quando era criança e o vinil está na minha casa. Às vezes ouço. A banda preferida dela é Roupa Nova.

Jord Guedes, cantora e compositora

Caike e Nair Falcão (acervo pessoal)

A primeira música que ouvi por intermédio da minha mãe foi “Perhaps Love”, de John Denver. Minha mãe teve três filhos, e uma mania bizarra de filmar os partos. No meu, a música tema foi essa. Minha mãe é a personificação da empatia e da paciência. Poucas vezes tive a sorte de conhecer outros humanos tão preocupados com o bem-estar do outro como ela. Uma mulher guerreira, defensora dos meus sonhos e do meu conforto. Meus e de meus irmãos. O que sinto é um mix de amor com gratidão, por ela e pela sorte de tê-la.

Caike Falcão, cantor, compositor e produtor

Julieta e Soraia (acervo pessoal)

Minha mãe, feita de rosas. E rosas atraem pássaros. Ela, entre tantas músicas que cantava para mim, na infância, repetia: “‘sabiá lá na gaiola fez um buraquinho, voou, voou, voou, voou, e a menina que gostava tanto do bichinho, choroou, choroou…”

Escrevi uma história de passarinhos só para cantar essa música e homenagear minha mãe Julieta Falcão, toda feita de rosas e passarinhos.

Soraia Falcão, atriz

Isaac e Maria Cândido (acervo pessoal)

Tenho todas as lembranças do mundo de minha mãe e tem uma dela muito especial que preciso dizer aqui. Todo ano minha mãe recebia pelo Correio um LP do Fagner. Todo ano vinha um novo, sempre autografado pra ela. Era sempre em primeiríssima mão que minha mãe recebia. Ela morou muito tempo com a tia Chiquinha, mãe do Fagner, e ele nunca esquecia de mandar com exclusividade os LPs para ela. Toda obra do Fagner, principalmente os primeiros LPs, têm a cara de minha mãe. E hoje, tudo o que eu mais queria no mundo, era ver o sorriso de minha mãe, o mesmo que ela dava quando recebia o envelope. Sei que hoje, neste dia tão especial, ela estará presente em nossas vidas, em nossas lembranças, vou passar o dia inteiro das mães me arrepiando, sentindo, ouvindo. Sei que ela vai passar o dia aqui do nosso ladinho.

Issac Cândido, cantor, compositor e produtor

Vanessa e Rosangela (acervo pessoal)

Lembro-me de mim ainda criança vendo minha mãe ligando o som alto em casa, cantando e dançando. Era festa. Geralmente ouvíamos sambas e MPB. Entre tantos discos e artistas que minha mãe me apresentou, está o “Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão”, da Marisa Monte, de 1994. Aquele que tem os clássicos “Na estrada”, “Ao meu redor”, entre tantos outros. Minha mãe sempre gostou da Marisa e eu herdei a paixão, ainda bem! Por falar em “Ainda bem”, essa música e “Depois”, são sucessos mais recentes da Marisa que minha mãe também vive cantarolando. E eu amo.

Vanessa França, vocalista da banda Marajazz

Nayra e Celizete (acervo pessoal)

Minha mãe nunca me mostrou nenhum álbum, nenhuma coisa assim em especial. Mas, sinceramente, tudo que eu sou de música, eu devo a ela. Ela sempre escutou muita música, música nacional, internacional, de todo jeito. Desde sempre, desde que estava na barriga dela. Acho que eu tudo que sou na música, eu gostar de música, é por causa dela. E a todo o apoio dela. “Don’t no why”, da Norah Jones, não sai do meu repertório por causa dela.

Nayra Costa, cantora

Marcelo Renegado e Ercimá (acervo pessoal)

Lembro que ainda bem criança, lá em casa tinha uma vitrolinha vermelha parecida com uma máquina de escrever portátil, onde tinha de um lado o toca-discos e do outro lado quando abria, na tampa ficava um pequeno alto-falante, e nessa época tínhamos apenas três discos que eram da minha mãe Ercimá Pinheiro: um LP do Luiz Gonzaga, um disco em tamanho médio do Paulinho da Viola e outro LP do Roberto Carlos “Em Ritmo de Aventura”, aquele que tem a foto dele em um helicóptero na capa…

E lembro que três músicas me marcaram bastante nessa época, uma está nesse último disco citado, aquela que fala: “Eu sou Terrível, que é bom parar de desse jeito me provocar, você não sabe de onde eu venho, o que eu sou, e o que tenho. Não tenho medo nem do perigo, minha caranga é máquina quente, eu sou terrível”.

A outra música foi uma do Paulinho da Viola que dizia: “Tinha eu 14 anos de idade quando meu pai me chamou, perguntou-me se eu queria estudar filosofia, medicina ou engenharia? Tinha eu que ser doutor! Mas a minha inspiração era ter um violão para me tornar (Artista)”.

E a terceira foi uma música chamada “A volta da Asa Branca”, que contava uma história como se possível fosse ver imagens de um filme através das palavras (e de fato era), que dizia: “Já faz três noites que pro Norte relampeia, a Asa Branca ouvindo o ronco do Trovão, já bateu asas e voltou pro meu Sertão! Ai, ai, eu vou me embora, vou cuidar da plantação. Rios correndo, as cachoeiras tão zoando. Terra molhada, mato verde, que riqueza! E a Asa Branca à tarde canta, que beleza, ai, ai, o povo alegre, mais alegre a natureza”. E claro, foram essas dentre outras. Depois veio muito mais influências que não daria nem para enumerar aqui…

Marcelo Renegado, cantor, compositor e guitarrista da banda Renegados

Daniel Groove e Herany, em 1975 (acervo pessoal)

Minha primeira influência musical, sem dúvidas, foi minha mãe. Minha mãe é uma pessoa que sempre ouviu muita música dentro de casa e sempre gostava de cantar. Ela cantarolava enquanto cuidava dos afazeres, enquanto me balançava. Eu sempre falo que essa recordação afetiva, o que a gente escuta de um jeito passivo enquanto criança, é sempre de grande influência pro compositor.

Muito antes de existir internet, youtube e essas coisas que a gente tem hoje em dia, ao alcance da mão, a minha mãe todo ano fazia um caderninho de músicas que ela gostava de cantar. Todo ano ela renovava, numerado, com as letras escritas. E sempre a primeira música desses cadernos era “Pingos de amor”, do Paulo Diniz. Que é uma canção que, ao longo da minha vida, eu sempre toquei em vários shows. Até hoje mesmo, eu uso ela em incidental, entre uma canção e outra. É uma canção muito importante na minha vida, justamente por causa da minha mãe.

Aí, anos mais tarde, tocando em Recife, eu cheguei a conhecer o Paulo Diniz e me lembro de ficar muito emocionado por que imediatamente me veio essa recordação daminha mãe. Tempos depois, eu fiz algumas canções pra ela. Tem uma canção do (disco) “Romance pra depois”, que é “Pasto”, que é minha de Juliano Gauche, que o mote são as nossas mães.

E tem uma história engraçada que, quando ela vai às vezes num show, e eu toco a canção e dedico a ela, ela sempre diz “achei linda, mas não entendi nada”. E eu sempre digo: “é como amor de mãe. É sempre muito bonito, e incompreensível”.

Daniel Groove, cantor e compositor

Barbara e Diana Sena (Foto: Alexandre Virgilio/ divulgação)

Eu tinha por volta de 11 anos. Na garagem, em frente à casa, minha mãe me chamou para entrar no carro e mostrar um disco especial. Parecia que ia me contar um segredo, mas hoje sei que foi uma espécie de ritual de iniciação. Era o disco “O Amante” da série “Chico Buarque 50 anos”, onde havia duas canções com o meu nome “Bárbara” e “Cala a Boca Bárbara”, ambas parcerias de Chico com Ruy Guerra. Ao lado dela, ouvi as duas faixas em êxtase. Quanta beleza em forma de canção. Como um artista poderia ser tão habilidoso ao arquitetar sons em palavras?

Dali fui muito grata e curiosa ao meu quarto escutar o restante do disco, onde ouvi canções como “Olhos nos Olhos”, “Trocando em Miúdos” e “Tatuagem”. Lembro que chorei muito ouvindo o álbum, numa catarse de sentimentos, entre melodias, harmonias, arranjos e metáforas. Chorei e sorri com toda a força da poética e da musicalidade de cada faixa. Voei alto na imaginação. Naquele momento me apaixonei pelo trabalho do Chico Buarque e descobri encantada, por outros discos dele que minha mãe trouxe, as múltiplas facetas do artista. Fui descobrindo o Chico amoroso, sambista, político, engajado, cronista, e o amor por sua obra e pela canção brasileira só aumentava. Esta foi, sem dúvida, a principal semente para que eu me tornasse compositora.

Um pouco mais tarde, aos 14, descobri que as duas canções com meu nome faziam parte da peça “Calabar”, escrita em 1973 por Chico Buarque e Ruy Guerra, um ano considerado revolucionário para a música popular brasileira, segundo livro organizado por Célio Albuquerque. Àquela altura, eu, que estava aprendendo a tocar violão, passei a sonhar em um dia conseguir transformar história em canção e fazer música para teatro, o que faço atualmente com o Teatro Violetas, grupo de teatro feminista que faço parte e ajudei a criar.

Sou muito grata a minha mãe por ter me apresentado ao genial Chico Buarque de forma tão poética, sensível e generosa. Este gesto tão simples e tão grandioso ao mesmo tempo, mudou a minha vida e foi fundamental para a artista que sou hoje e para a que vislumbro ser um dia. Por isso, e por tanta coisa mais, hoje e sempre, sou muito grata a minha mãe.

Barbara Sena, cantora, compositora e atriz

Telma e Cainã (Foto: Tainá Cavalcante/ Divulgação)

Minha mãe é o contraponto que universaliza o som dentro de casa! Uma audição mais desolada, buscando referências do mundo todo! Um rock, tipo Beatles, Marina Lima, seguido de Bia Bedran, como o canto/conto da criança que perde o anel no mar”. E ao mesmo tempo puro esmero com o conhecimento de cultura popular. Uma honra para mim, conviver com tamanha sabedoria, resiliência, alegria, força e muito amor. Minha mãe, avó da flora. Dona Telma é tudo isso é muito mais!

Cainã Cavalcante, músico e compositor

Maria de Lourdes e Debora (acervo pessoal)

Maria de Lourdes, mais conhecida como Lurdinha. Ela é a mulher que mais me inspira nessa vida! Tão guerreira! Criou três filhas sozinha, tem sempre um sorriso no rosto, um batom vermelho e muitos sonhos! São tantas histórias que ela vai me contando e que eu vou descobrindo… As que mostram como é cruel ser pobre e mãe solo no sertão e as muitas histórias de aventuras que rendem muuuuuuuuitas gargalhadas! O que admiro nela é a sabedoria de quem olha pra vida com uma vontade enorme de viver. Essa foto foi de um dia de muita alegria, nós duas muito poderosas fazendo uma das coisas que a gente mais gosta: banho de sol e de mar! Eu te amo muito! Saudade medonha!

Das músicas que ela já me apresentou, foram as de Roberto Carlos as que mais marcam. Os domingos em casa sempre se seguem ao som de Roberto, logo pela manhã. E não tem como escutar “Como é grande o meu amor por você” e não lembrar de mainha.

Débora Ingrid, atriz

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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