Por Daniel Medina

“Nada parado, nada seguro, nada infinito ou puro”.

Receba com carinho esse verso cirúrgico do compositor Ednardo, ele vai aparecer outras vezes nessa coluna.

Em um canal famoso de filosofia e psicologia do YouTube caí em um vídeo que decreta a morte da música erudita. No vídeo um pesquisador jovem, doutor, discorre por alguns minutos na sede de lavrar o obituário da suposta falecida.

Entre a citação de dois ou três autores estrangeiros, a acusação de uma suposta máfia de professores universitários (à la Olavo de Carvalho), desnecessárias explicações a respeito do próprio visual e alegações de que atualmente só se ouve funk, o pesquisador avança em sua teoria.

Meditei profundamente e pensei comigo mesmo: “Não é assim que se esfola um bode”.

“Nada parado, nada seguro, nada infinito ou puro”.

Repetidamente alegado pelo pesquisador, é certo que o circuito da música erudita é de um elitismo gritante e, em pleno séc. XXI, tem muita gente que ainda se sente melhor e diferenciada por escutar essa ou aquela música.

É certo também que o funk já é uma cultura por si só e é de um poder de síntese invejável, um retrato do agora e não por acaso figura com força nos nossos tempos.

Mas, convenhamos, que mania detestável e previsível essa de “matar” e aniquilar pra defender seja lá o que for. De hegemonia e aniquilação o mundo já está repleto. Caímos fácil, fácil no “ou é isso ou aquilo”, ou é A ou é B, ou é música erudita ou é funk, mesmo 100 anos depois da Semana de Arte Moderna de 1922 e da antropofagia de Oswald de Andrade comer Caetano e desembocar no tropicalismo.

“Nada parado, nada seguro, nada infinito ou puro”

Repleta de ouvintes e estudantes de música no mundo todo, a música erudita segue presente, por meio de concertos virtuais, óperas contemporâneas, jovens compositoras e compositores, trilhas sonoras de séries e filmes. Os números de visualizações de vídeos e das plataformas não negam (mas desde quando arte e artistas têm números por medidas?)

Sem dúvida a música erudita é uma invenção europeia (assim como a Língua que você me lê agora) e guarda o DNA da colonização. Em arte, negar qualquer DNA em busca de uma suposta pureza é inútil por um motivo simples: pureza não há.

Por fim, narro em poucas linhas uma história pra você:

O compositor erudito alemão Stokhousen estudou com o compositor francês Olivier Messiaen e influenciou diretamente a banda alemã de música pop eletrônica Kraftwek. Kraftwer cruzou o mundo e por sua vez influenciou a sonoridade do DJ, pioneiro do hip hop, Afrika Bambaataa. Um ano depois Bambaataa e Arthur Baker lançavam a faixa Planet Rock e dividiram as águas da história da música pop mundial.

“Nada parado, nada seguro, nada infinito ou puro”.

Direct: Pra quem busca conteúdo e não se contenta com a fogueira das paixões indico o podcast “Ser Sonoro” de Fernando Cespedes que trata a música e som como merecem.

Daniel Medina é compositor, cantor e curioso, sendo cantor nas horas vagas e curioso por ofício. Ele escreve nesse espaço semanalmente

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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