La Casa de Papel é série espanhola criada por Álex Pina. Está disponível na Netflix

Por Daniel Medina

Em um dos mais recentes episódios da série La Casa de Papel surge, do nada, a canção portuguesa Grândola, Vila Morena.

Do nada, coisa nenhuma. Se tem uma coisa a se aprender com séries é a de que não se pode dar ponto sem nó.

Marco da resistência contra a ditadura militar portuguesa, Grândola, Vila Morena foi escrita pelo compositor Zeca Afonso e em 1974 embalou o sonho de um país livre do regime do ditador Salazar. Pra ser mais exato, a canção foi também uma senha. Tocada em rádios do país como primeiro sinal na noite do 24 de abril e como segundo sinal às 0h34min do dia 25 a música foi a deixa sonora para o início das operações dos soldados rebeldes.

Zeca Afonso, falecido em 1987, sem ser YouTuber ou influencer, em um dos inúmeros vídeos no YouTube soma 5 milhões de visualizações. E claro, além de ter o próprio compositor como intérprete, Grândola ganha vida na voz de Amália Rodrigues, corais, bandas de rock e, quase 50 anos depois, chega a uma das séries mais vistas dos nossos tempos.

Ser um cantor português ante o público brasileiro não deve ser tarefa fácil. Digo em larga escala. Nada mais difícil do que transpor o ranço de quem foi colonizado por seus compatriotas. Da gozação ao sotaque às piadas variadas, da pecha de debilidade intelectual às caricaturas jocosas dos Mamonas Assassinas, os portugueses penam em nossas mãos.

Mas a verdade é que a música portuguesa é repleta de grandes nomes, do séc. XX ao XXI, que merecem ser ouvidos e ir além da rixa histórica. Listando alguns aleatoriamente Sérgio Godinho, Fausto, Antônio Variações.  Já no século XXI e flertando com a as raízes do fado, Carminho, Mariza e Antônio Zambujo de destacam.

Tendo 10 anos de estrada, uma galera da qual sou suspeito pra falar é da banda Capitão Fausto. Sem relação direta com o cantor citado acima, inventam a cada entrevista um motivo para o nome. Com pegada Los Hermanos, mas com letras ora junkies, ora divertidas e decoladas, ora tudo junto, fazia tempo que um som não me empolgava tanto, ainda mais pela poesia do negócio.

De volta  à Grândola, Vila Morena, hino da “Revolução dos Cravos”, revolução que nasceu de um golpe militar, que se difere dos demais pois, ao invés de conservar, muda a ordem vigente, revoluciona, dando o pontapé inicial para a nação portuguesa definir seu próprio destino, diferente do golpe brasileiro de 1964.

Em novembro de 1975 o poder de Portugal passaria para as mãos dos chamados “moderados”. Por mais que novos jovens conservadores (?) com afinco tentem desmerecer a importância do 25 de abril de 1974, sabem que se fossem depender dos jovens conservadores da época nada teria sido feito (assim como hoje).

Nos últimos anos Portugal viveu uma experiência inusitada, chamado por alguns de coalização, por outros de alinhamento: a “Geringonça”. Desde 2015, reunindo partidos de espectros de esquerda, centro e de direita, tem escapado com êxito da onda fascista de extrema direita que paira sobre o mundo. (Estando todos atentos aos desdobramentos disso no Brasil). Se os portugueses não estão no melhor momento por conta da pandemia, pelo menos estão melhores do que nós.

E parafraseando a música Tanto Mar, oh pá, do nosso Chico Buarque, mandem aí, nem que seja um cheirinho de alecrim, pra ver se a frente progressista brasileira se une contra a perversidade e a barbárie, aos solavancos golpistas de um tirano caricato e nos livra do já tradicional golpismo made in latinamérica.

Direct: Pra não deixar de falar de poesia, já leu poeta português Herberto Helder? Dependendo do livro, talvez você não entenda nada num primeiro momento, nem no segundo. É normal. Não é fácil acessar um novo mundo no qual, de forma voraz, tudo se conjuga e se aparta em imagens e em constate vertigem (assim como nesse nosso mundo real, prosaico e diário).

Daniel Medina é compositor, cantor e curioso, sendo cantor nas horas vagas e curioso por ofício. Ele escreve nesse espaço semanalmente

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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