Marcelo Nova, o vocalista da banda Camisa de Vênus

Uma notícia muito curiosa me chamou a atenção na semana passada. Durante as atividades da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), o deputado federal delegado Éder Mauro (PL) falou: “Querer pensar em colocar na cabeça do povo brasileiro que está nos assistindo que MST planta alguma coisa, que MST é produtor. Porra nenhuma. Não plantam nada”. A frase como um todo é prova substancial de ignorância do parlamentar, mesmo que ele já não precise provar isso há tempos.

No entanto, o que chocou o debate foi o uso do termo “porra”. “Não é prudente para a imagem da Câmara”, justificou o deputado Paulão (PT), que pediu que a tal palavra feia fosse tirada dos anais. Boa, deputado Paulão! A imagem da Câmara é maravilhosa, vemos isso estampado no rosto do povo que ela representa. Ainda assim, o assunto rendeu uma discussão sobre se este é ou não um termo adequado a constar nos anais.

Bem menos hipócrita, a arte já adotou os palavrões como uma forma de expressão da alma há tempos. Por exemplo, quando o pernambucano Otto estava roendo a separação com Alessandra Negrini, ele criou sua obra prima Certa manhã acordei de sonhos intranquilos. A faixa de abertura, Crua, trazia o dramático verso: “E ter que acreditar num caso sério e na melancolia que dizia, mas naquela noite que eu chamei você fodia, fodia de noite e de dia”. Tadinho…

Mais conformado do seu papel na relação, Arnaldo Antunes chora o amor não correspondido na faixa Essa mulher, em que assume que “ela goza com a mão, não precisa do seu pau”. Aliás, por falar em Arnaldo, os Titãs já falaram alguns bons palavrões em suas músicas. O hino Bichos escrotos é só uma delas. Mas, talvez eles não tenham abusado tanto quanto o Camisa de Vênus, responsável por clássicos da deselegância como Silvia, Essa linda canção e Bota pra fudê.

A banda liderada por Marcelo Nova, de tão fiel ao vocabulário de baixo calão, já era freguesa do departamento de censura que “trabalhava” nos anos 1980. Tanto que, em 1986, quando supostamente a censura já deveria ter trocado de lugar com a democracia, eles tiveram o disco Viva recolhido das lojas por que 80% das faixas trazia “linguagem imprópria”. Claro, essa ação só serviu para fazer o disco vender muito mais. O mesmo aconteceu com o álbum de estreia da Blitz, que chegou às lojas com a faixa Cruel cruel esquizofrenético blues literalmente riscada com um prego. O motivo: um prosaico “puta que pariu”. Depois desta propaganda oficial, o disco vendeu feito água e virou artigo de colecionador.

Pois é, bem antes das gerações Raimundos e MC Popokinha, os palavrões já incomodavam. Ou até algo que fizesse menção a algo que parecesse com eles. Chico Buarque e Caetano Veloso viram, em 1972, um trecho de Bárbara ser censurado. A faixa fala do romance de duas mulheres, o que para os mais conservadores já é um acinte. O trecho, camuflado por palmas e cortado na navalha, falava em “mergulhar no poço escuro de nós duas”. Não chega a ser palavrão. Mas, numa mente criativa, pode virar.

Estabelecida a redemocratização e o fim da censura, nos anos 1990, falar palavrão em música era comum. Roger, do Ultraje a Rigor, sintetizou esse momento na faixa Nada a declarar, onde afirmava categoricamente que não tinha para dizer ou fazer. Mas garantiu o refrão com um palavrãozinho de duas letras, que começa com “c” e termina com “u”. Ah sim, esse mesmo palavrão foi usado por Caetano pra definir o Brasil na faixa O Cu do Mundo. Bom, há quem diga que esse monte de termo chulo e baixaria não é coisa de artista. Mas, o compositor Rubinho Jacobina deixa claro em seu hit gravado com convicção por André Frateschi e Miranda Kassin, Artista é o caralho.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles