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Sábado a noite sempre é uma lenda. Para onde ir num dia em que todos costumam sair com suas companhias, suas famílias, amigos, paqueras, rolos, amantes? Ele gostava de fazer algo a noite, mas tinha nojo das companhia dos outros, nojo da companhia de outros, queria apenas a companhia de um, isso lhe bastava. Não queria ver sorrisos, abraços, alegrias, gente tirando fotos. Queria a cidade, o mundo, tudo só para ele. Isso era um problema, um problema que aliás, nunca conseguiu superar, nem os meses e meses de terapia deram jeito. Não era nada de síndrome do pânico ou fobia, aquilo era dele, da sua personalidade, do seu eu.

Sombrio, meio dark, meio freak, não seria modinha nem essas coisas que as pessoas costumam se auto definir, ele era assim, nasceu assim e sem sombra de dúvidas, iria morrer assim. Tinha sérios problemas com sábados, inclusive os domingos que lembrava das tardes com a família, os almoços com amigos, com a turma. Vivia enclausurado, numa redoma de vidros, era como aquele home do esqueleto de vidro do filme da Amèlie Poulain, o filme preferido de sua vida. Ele não saia, não tinha contatos no celular, não tinha redes sociais, apenas existia, não vivia, era mais um no meio de milhões e milhões de humanos.
Olhou para o celular e não vinha nenhum número a mente, não tinha ninguém para ligar e dizer somente um “oi” ou um “o que vai fazer essa noite?”, então decidiu que iria fazer festa ali mesmo, no apartamento de vinte e quatro metros quadrados que tinha comprado com o dinheiro que tinha conseguido após trabalhar anos em uma firma que não lhe trazia boas recordações, apenas mágoas e medos, frustrações, sentimentos ruins e dores insanas.
Olhou em volta e decidiu pegar uma garrafa de vodca que ele tinha comprado não fazia nem duas semanas. Constatou que era a última garrafa que continha álcool, se acabasse iria ter que se contentar com os vidros de perfumes franceses que comprara na sua última viagem à França. Era, ele estava desse jeito, se não tivesse bebida alcoólica ele bebia o que fosse derivado da substância, fosse perfumes ou simplesmente álcool puro e tóxico.
Abriu a garrafa, fez um suco com as laranjas amarelas que tinha comprado na sua última ida ao mercado e pegou a última carteira de cigarros que tinha. Botou um som no celular mesmo e ficou na sala, pensando na vida que não vivia, nos amores que não amava, nas amizades que desperdiçava por seu orgulho e por sua personalidade forte e fria.

Fumou fundo. No primeiro trago, pensou como ele estaria daqui há dez anos, com mais idade, quase velho, quem iria cuidar dele na velhice? Não tinha parentes, muito menos pessoas próximas. Se tivesse um coma alcoólico ali na sua própria sala de estar e morresse, ninguém iria dar falta, o corpo apodreceria e aí sim que viria o porteiro do condomínio e os curiosos e ele seria enterrado como um zé ninguém, um indigente.

No segundo trago pensou como seria a sua vida se tivesse um companheiro. Um amor para chamar de seu, uma perna para encontrar na hora de dormir. Um contato para ligar após um dia estressante de trabalho, ficou ali sonhando, sonhando e sonhando.

No terceiro trago decidiu que queria uma coisa mais forte. Então procurou entre as suas coisas, entre as tralhas e quinquilharias do seu quarto e achou dentro de uma caixa de fósforos customizada que tinha o rosto de Frida Kahlo, as ervas, a planta que o fazia sentir bem. Também eram as últimas que ele tinha. Fez um baseado gordo, preparou tudo e fumou, tragou fundo e soltou a fumaça em câmera lenta, aos poucos.

Colocou no celular a música de uma banda que vinha escutando ultimamente e fumou até ficar só os restos do cigarro de maconha. Bebeu o litro de vodca quase num só fôlego. Abriu a janela, a brisa veio forte, num impacto estridente. Estava vendo a rua movimentada, com seus carros para lá e para cá, com gente passando, com festas acontecendo, com famílias reunidas, com bares, boates e restaurantes e puteiros e saunas todas lotadas de gente vivendo, o que ele não fazia, o que ele não vivia. Sentiu a brisa, contou para si mesmo os versos da música que tocava no fundo e pulou.

Décimo andar, morte na certa. Nos trinta segundos de tempo, a porta ganha batidas e sua campainha toca. Era seu ex amor que tinha acabado de chegar, arrombou a porta e visualizou a sala, que só tinha a ausência do outro que tinha acabado de se jogar. Viu a janela da varanda aberta para a noite fria que fazia lá fora e constatou que só tinha uma brisa e um corpo estendido no chão, no meio da calçado da avenida. Era tarde demais para voltar atrás, a presença chegou atrasada, agora tinha que se contentar com as perguntas da polícia, dos curiosos e ficar sentindo aquela brisa que o outro sentiu do lado de fora e dentro de si.

Texto: Eduardo Sousa| Imagem: Internet

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