Há muito tempo, dançar deixou de ser visto apenas como um prazer, e especialistas já comprovam a sua utilidade no tratamento de doenças físicas e psíquicas

texto: Jéssie Panegassi

” Dance, dance, caso contrário estaremos perdidos”, já dizia a bailarina e coreógrafa alemã Pina Bausch, que de uma forma revolucionária procurava mostrar a relação entre movimento e emoções. Hoje, várias técnicas que buscam expressar o interior e as emoções por intermédio do corpo já são reconhecidas como terapêuticas – além de agradar como um exercício completo. Fugindo dos estilos tradicionais mais conhecidos e extremamente regrados, como o balé clássico e o jazz, existe um mundo de novas danças e técnicas que combinam os benefícios da atividade física com os conhecimentos da medicina.
Dentre os proveitos físicos que essa atividade oferece para quem a pratica com frequência estão a redução de peso, melhor resposta do organismo à insulina – no caso dos diabéticos -, reeducação postural, diminuição do colesterol ruim (LDL) e aumento nos níveis do bom (HDL), redução da pressão arterial de hipertensos leves, melhor condicionamento físico e respiratório.
Outro atributo é a diminuição da quantidade de glicose no sangue, que ajuda na prevenção do diabetes. “Como a dança combina o benefício aeróbico ao entretenimento, além do relaxamento proveniente do lazer, ela diminui a adrenalina que causa o estresse e problemas cardíacos”, afirma Marcelo Cantarelli, diretor da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHC) e da clínica Angiocardio (SP).
Já as melhoras psíquicas podem se manifestar pela diminuição da timidez, aprimoramento do convívio social, reconstrução de uma autoimagem que antes era distorcida e também da autoestima. Além disso, pode ser recomendada para auxiliar no tratamento de doenças mais graves – como a síndrome do pânico e a depressão – ou o medo de se expor perante as situações cotidianas.
Como a dança não envolve a fala em sua essência, a pessoa procura outras formas de se comunicar por meio do corpo e, nesse processo, ela pode encontrar o alívio para os seus transtornos. “Por meio dos movimentos, o sujeito entra em contato com aspectos que são bloqueados dentro dele, como nos casos de timidez e autoimagem depreciada”, explica a psicanalista Blenda de Oliveira, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Para usufruir de tudo isso, existem diferentes técnicas e métodos para que o aluno encontre a que mais lhe agrada.

Cuidado com o coração
Antes de iniciar qualquer tipo de atividade física é importante fazer um check-up completo da saúde, principalmente do coração. Durante os exercícios, os músculos e órgãos vão trabalhar mais, então, precisam ter uma melhor irrigação sanguínea. Para suprir essa demanda, o sangue tem que circular mais rápido pelo organismo. “Nesse momento, a pressão arterial máxima sobe e a mínima desce. Se a pessoa tiver algum problema cardíaco desconhecido, e não tratado, pode ter uma complicação como derrame ou infarto”, explica Marcelo Cantarelli.
Ainda existem os casos de morte súbita, onde é comum o sujeito não conhecer a existência de um problema no coração que provocava a arritmia, por exemplo, e acaba colocando a vida em risco durante a prática de qualquer esporte.
Apesar de afetar diretamente o funcionamento do coração, pacientes com pressão alta já detectada devem também praticar atividades físicas. Segundo Cantarelli, desde que as controlem com um médico, não há problema algum. Ele pode recomendar fazer um mapa da pressão arterial durante todo o dia, inclusive durante a prática dos exercícios, para ter um melhor diagnóstico e ajustar a medicação. “Com o tempo, eles podem até passar a ingerir menos remédios para a hipertensão”, completa o cardiologista.

Dance para se encontrar
Pessoas com depressão, ou que buscam o autoconhecimento em geral, podem encontrar muitas respostas nos próprios movimentos, pois a dança permite a expressão daquilo que se sente. Retratar com corpo o que o professor está falando, ou tocar nos outros integrantes enquanto realizam os passos, são alguns dos métodos que as diferentes técnicas utilizam. Além disso, “a dança, por ser aeróbica, produz endorfinas que interferem bastante no humor, na disposição, e no sono”, esclarece a psicanalista Blenda.
Na biodanza, técnica idealizada pelo psicólogo argentino Rolando Toro, o som é fundamental. Para reproduzir as diversas mudanças de lugares, pessoas e comportamentos diante da sociedade, as músicas também vão se alterando no decorrer da aula. “Por meio da música e do movimento humano, ativam-se alguns processos que ajudam na regulação global, diminuindo o estresse”, afirma Maria Angelina Pereira, diretora e coordenadora da Escola Paulista de Biodanza (SP). Ela explica que, nessa técnica, o corpo se comunica pelo olhar, sorriso e toque. O intuito é resgatar uma atitude da vida mais serena e reabilitar a digestão e respiração, a partir do momento que se deixa a tensão.
Todos podem praticar a biodanza, e mesmo quem tem alguma patologia que afete a mobilidade pode se beneficiar dessa metodologia. Segundo a especialista, a prática potencializa o que a pessoa tem de bom, e não as doenças.

Dança na inclusão de pessoas com deficiência
Usando passos inspirados no balé clássico e métodos específicos da fisioterapia, Lavinia Teixeira, fisioterapeuta neurofuncional e professora da Academia Sergipana de Ballet, desenvolveu uma prática que ajuda jovens com déficits cognitivos. Ela utiliza o ritmo predeterminado pela música para fazer com que os seus alunos/ pacientes sincronizem os próprios movimentos corporais. Isso estimula neles um sentido lógico para que o esforço executado se transforme na ação desejada.
Essa técnica tem como objetivo a redução de contraturas e deformidades, melhor mobilidade, ganho de força muscular e controle motor, resultando numa maior qualidade de vida para o indivíduo. “Apesar de observar os benefícios da dança no desenvolvimento e aprimoramento neuromotor, o bem-estar que ela proporciona é o fator primordial nos resultados alcançados”, explica Lavinia. Deficiências motoras, sensoriais, cognitivas, ou o conjunto delas, podem ser trabalhadas com a Terapêutica Alternativa Lavinia Teixeira (TALT).
Com aulas individuais e em grupo, a socialização também é estimulada nessa atividade. “Além do prazer que a música induz aos movimentos sincronizados a ela, o reforço positivo vindo da plateia potencializa os efeitos neuromotores, psicoafetivos e sociais”, finaliza a fisioterapeuta.
Várias técnicas que buscam expressar as emoções por intermédio do corpo já são reconhecidas como terapêuticas – além de agradar como um exercício completo.

Dança de salão
Englobando diversos ritmos, a dança de salão é um ótimo exercício. Dentre os benefícios para a saúde estão a melhora da coordenação motora e das relações sociais. Algumas escolas oferecem cursos especiais para crianças e idosos, que trazem resultados mais específicos. As crianças melhoram a coordenação, concentração e relacionamento com os demais, devido ao contato físico. Já a terceira idade apresenta fortalecimento ósseo e muscular e ativação cerebral.
Para quem não gosta de musculação, é uma ótima forma para se exercitar e ajudar também no tratamento da depressão. Com relação a risco de lesões, “se a escola tem o piso adequado e o aluno está com o sapato recomendado, é mais difícil que ele se machuque”, tranquiliza Renato Mota. Assim, com o alongamento e local adequado, o joelho não se sobrecarrega, o que evita lesões.

“Cada um tem um instinto, temos que escutálo, pois ele nos ajuda a sobreviver”, afirma Maria Angelina, explicando a necessidade de saber ouvir o próprio corpo para se obter uma melhor qualidade de vida.
Já no caso da dançaterapia, a música não é essencial, pois, nesse método, os alunos podem fazer o próprio som. “Ela é voltada para o encontro da pessoa com o próprio eu, onde se entende melhor e o grupo também”, explica Renato Mota, arte-terapeuta, professor de dança de salão e diretor do Studio Renato Mota (SP). Levando em consideração que quem consegue ter um maior controle sobre o seu corpo e suas emoções vive melhor, ele afirma que o intuito é fazer com que os participantes levem a técnica aprendida para o seu cotidiano.
Do ponto de vista emocional, as coreografias mais soltas têm o objetivo de relaxar o corpo, e isso pode ajudar, segundo exemplifica Blenda. “Felizmente as conquistas emocionais não são como os músculos que, quando você para um exercício, ele retrocede; esses ganhos continuam com a pessoa”, observa a psicanalista.

Bom para a memória
A necessidade de decorar passos e sequências, ou apenas o fato de fazer um tipo diferente de movimento com o corpo, faz com que o cérebro também se comporte de outra forma. “Quando se experimenta algo novo, uma habilidade nova, ou até mesmo resgatase um antigo hábito, o cérebro é obrigado a fazer novas configurações que acabam colocando mais uma de suas áreas em ação”, ensina a especialista Blenda.
Misturando exercícios do balé clássico, pilates e ioga, os alunos da turma de Power Spirit da bailarina Betina Guelmann (RJ) treinam a memória, lateralidade, ritmo e noção de espaço mediante os movimentos repetidos. A dança de salão, que normalmente oferece aulas específicas para determinadas faixas etárias, também é uma boa opção para quem quer manter o cérebro e o corpo em forma.
A biodanza é dividida em cinco linhas: vitalidade, sexualidade, criatividade, afetividade e transcendência.

Melhore o convívio social
A capacidade de criar vínculos com outras pessoas, ampliar as amizades e “dançar conforme a música” nas circunstâncias da vida cotidiana é muito trabalhada na biodança. Nesse modelo, o conjunto de movimentos é visto como um sistema de integração humana, renovação orgânica e reeducação afetiva. “A biodanza é dividida em cinco linhas: vitalidade, sexualidade, criatividade, afetividade e transcendência”, afirma a especialista Maria Angelina. Tendo essas linhas como pilares, os movimentos inspirados na fluidez do tai chi chuan podem ser realizados sozinhos, em duplas ou trios, e em unidade com todo o grupo.
Na dançaterapia, o convívio social também é trabalhado através de movimentos de livre expressão. O uso de jogos corporais é indicado, pois eles promovem a desinibição, além do contato com o outro e com o grupo. Essa estratégia inclui também o professor que, comandando as atividades, estimula os alunos a “encenar” conflitos da própria vida. com a participação de todos ou apenas para eles mesmos. Trata-se da chamada coreografia induzida.

O corpo e a mente agradecem!

Fonte: Revista Viva Saúde

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Jorge Brandão

Fisioterapeuta, Osteopata, RPGista. Diretor da clinica Fisio Vida.

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