Grandes companhias se unem para estimular indígenas, afro-brasileiros e portadores de necessidades especiais a expandir seus negócios

por Márcio Ferrari

MAIS POSSIBILIDADES, MAIS CONTRATOS | Jarles Sólon, da M+R Engenharia, que, com o apoio do Integrare, ganhou a licitação de uma obra grande para a DuPont em Paulínia (SP)

Ao se aposentar, em 2001, depois de trabalhar 36 anos em um grande banco, o administrador de empresas Edson Campos decidiu abrir um negócio para seu filho, Eduardo, que havia nascido com mielomeningocele, malformação da coluna vertebral. Então com 21 anos, ele se tornara cadeirante aos 19, depois de uma cirurgia na medula. O negócio criado por Campos levava o nome de Medem Delivery e tinha como objetivo fornecer material descartável para o dia a dia de empresas. Os sócios eram Eduardo e sua mãe.

O espírito de cooperação se ampliou quando, em uma das sessões de fisioterapia que Eduardo frequenta diariamente, um colega mencionou uma organização de apoio a empresas comandadas por deficientes físicos. Apresentada ao Integrare, a Medem passou a fazer parte de uma rede de fornecedores que hoje totaliza 526 empresas. Também ganhou clientes de peso como Itaú e DuPont, responsáveis por parte do faturamento anual de R$ 1,5 milhão. E o mais importante: Campos conseguiu seu objetivo principal, que era promover o autodesenvolvimento do filho. “Ele cresceu muito com a Medem”, diz. O horizonte de Eduardo se abriu graças aos contatos diários com fabricantes, contadores e empresários, atividades que provocaram também uma melhora em suas dificuldades de fala.

Fundado em 1999 e inspirado na americana National Minority, o Integrare é uma organização sem fins lucrativos destinada a incentivar os negócios entre grandes corporações e pequenas e médias empresas que tenham como proprietários integrantes de três categorias historicamente excluídas — afro-brasileiros, indígenas e portadores de deficiência. As candidatas se inscrevem pelo site www.integrare.org.br, são analisadas e, se aprovadas, ganham credenciamento para começar a negociar contratos de fornecimento. Entre as 32 empresas associadas (compradoras), estão gigantes como Santander, IBM, Unilever, Coca-Cola e Gol.

Não se trata de um projeto assistencialista. “Uma das metas principais é constituir uma rede que estimule as pessoas a confiar em seu potencial de empresárias”, diz Marcos Zoni, presidente do Integrare e diretor do Santander. Por meio de convênios com instituições como o Sebrae e o Banco Mundial, o Integrare realiza um esforço de aperfeiçoamento das fornecedoras, para que se tornem mais competitivas. O objetivo é que essas empresas tenham condições plenas de participar de processos de licitação, sem favorecimento de qualquer tipo. “Ninguém vai comprar os produtos só porque o proprietário pertence a uma minoria”, diz Campos, da Medem.

Um exemplo de história de sucesso é o da M+R Engenharia, com sede em Jundiaí (SP) e faturamento anual de R$ 7 milhões. Recentemente, a empresa venceu a licitação de uma obra grande — um centro tecnológico em Paulínia (SP) — para a DuPont. Segundo o engenheiro Jarles Sólon, de 59 anos, proprietário da construtora, a parceria com o Integrare traduziu-se no aperfeiçoamento da gestão e em muitos contatos positivos. “A integração é o que cria as possibilidades de negócios”, diz.

 Novas perspectivas

Nos diversos eventos organizados periodicamente pelo Integrare, não são apenas as “pontas” (associados e fornecedores) que se apresentam e trocam informações e experiências. Os contatos exclusivos entre os fornecedores, na forma de rodadas de negócios, também podem ser bastante produtivos. O administrador de empresas Claudio Candotti, da Candotti Seguros, encontrou novos clientes nessas reuniões — hoje, eles contribuem para o faturamento anual da empresa, que é de R$ 400 mil. O empresário de 65 anos, que sofre de uma doença neurológica progressiva, começou a se locomover por meio de uma cadeira de rodas há sete anos. Isso o desnorteou um pouco, porque estava acostumado a trabalhar “na rua”, em contato direto com os clientes. A parceria com o Integrare, diz ele, “despertou uma chama nova”.

“Passei a perceber possibilidades de crescer, organizei o funcionamento interno e reforcei meu controle geral sobre o andamento da empresa.”

Novas perspectivas também surgiram para Edna Santos, da ENS Engenharia, depois que sua empresa se associou ao Integrare. “Eu enfrentava resistências que não se deviam à minha condição de minoria social. O problema era que eu queria participar de um mercado de grandes, mesmo com um faturamento pequeno”, diz Edna, que é afrodescendente. Um episódio importante nesse processo foi o intercâmbio de expe­riências com empreendedoras negras dos Estados Unidos. Ajudada pelas consultorias e contatos obtidos via Integrare, Edna, que é engenheira e tem 53 anos, conseguiu “entrar na realidade do mercado de construções”. A ENS, que de início oferecia apenas orçamentos, agora realiza reformas e obras completas.

A empresária também recebeu apoio para participar de uma cruzada nacional, há cerca de oito anos, em prol de uma ampliação do conceito oficial de microempresas, o que implicaria a inclusão de construtoras na categoria. “Fui a Brasília para mostrar que a burocracia e os altos encargos neutralizavam os incentivos”, diz. Seu desejo se concretizou com uma reforma na legislação no início de 2006. Hoje a ENS Engenharia, com sede em São Paulo, fatura R$ 1,2 milhão por ano, tem 20 funcionários e contratos com empresas como o Santander e a DuPont.

Seguindo o próprio receituário, o Integrare é administrado como uma empresa. Desde 2008 adotou um sistema bem definido de metas e elaborou um planejamento estratégico para cumpri-las. Segundo o presidente, Marcos Zoni, a meta financeira de 2011 foi alcançada com folga. O objetivo era gerar negócios no total de US$ 24 milhões no período de janeiro a setembro. Até agora, foram obtidos US$ 30,2 milhões, e a previsão é chegar a US$ 40 milhões até o fim do ano. Em um conjunto que inclui empresas de áreas diversas — de tecnologia avançada a salões de beleza, passando por agência de turismo —, o setor que mais contribuiu foi o de construção civil, com US$ 5 milhões.

O sistema de metas revistas a cada mês se aplica ao Integrare como um todo e também às associadas e fornecedoras individualmente. Cada associada contribui com valores anuais entre R$ 10 mil e R$ 20 mil. Todos os cargos de diretoria são exercidos voluntariamente. As duas pontas saem ganhando, e não apenas em termos de negócios. A inclusão e as soluções de sustentabilidade, prioritárias nas parcerias com o Integrare, contribuem para fortalecer e expandir ainda mais o círculo virtuoso.

Fonte: Pequenas empresas grandes negócios.

About the Author

Jorge Brandão

Fisioterapeuta, Osteopata, RPGista. Diretor da clinica Fisio Vida.

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