A estreia da Black Knight Freqüency não poderia ser mais estilosa. Banda cearense criada inicialmente como projeto solo de Márcio F. Benevides, co-fundador, ex-guitarrista e compositor da Plastique Noir, importante no cenário gótico brasileiro, tomou forma e ganhou ares de grupo, principalmente após a chegada do produtor Alencar Jr. Dentro dessa odisseia semiconceitual que é a trajetória do Cavaleiro Negro, eles atendem por Markyo Rasputinov & Aerolander, respectivamente. No próximo dia 26, o disco de estreia Perceptron completa um ano.
O título do disco, como conta Márcio, envolve uma tripla referência: uma rede neural artificial criada em 1957 (e que no mythos da BKF foi invadida e manipulada pelo Cavaleiro Negro, uma misteriosa sonda alien de 13 mil anos que espreita e intercede na sociedade humana, demasiado humana); o conceito filosófico de percepto (c. f. Gilles Deleuze), referente a blocos de afetos estéticos, sentimentos artísticos; o filme oitentista Tron, uma odisseia eletrônica e sua ambiência cyber retrô.
Concebida pela artista fortalezense Natasha ‘Miss Hyde’ Lins, a arte da capa mostra a sonda estabelecendo contato “com alguma criatura abissal do universo lovecraftiano de terror cósmico”, conta Márcio. “O tentáculo da criatura também é uma referência ao antigo jogo Maniac Mansion, até hoje um de meus favoritos”.
Ele explica que a proposta do álbum, que saiu como um voo solo de Rasputinov, era operar sob o rótulo darkwave plus. O termo deixa claro que a música de Márcio ainda é gótica, mas vai muito além disso. “Há ecos de synth pop e synth wave, pós-punk, cold wave, hard rock farofa, industrial, EBM, game music, orientalismos, soundtrack e até mesmo prog e new age”, lista. “Tentei reunir da forma mais coesa os vários elementos que me atraem musicalmente para buscar alguma singularidade”.
Uma curiosidade é que o disco saiu independente e somente via streaming porque o mix não ficou pronto a tempo de negociar “com um conhecido selo de São Paulo”. Ainda assim, há planos de relançá-lo com bônus, em um futuro próximo.
Faixa a faixa: Perceptron (2016) – Black Knight Freqüency
Por Márcio F. Benevides
A message from Epsylon é a faixa introdutória do álbum e tem esse climão de vinheta macabra; nela eu quis passar uma impressão de “contato” com forças de outro mundo – ou de Nikola Tesla descobrindo uma mensagem (supostamente vinda da estrela Epsilon Bootis) numa frequência misteriosa. Tem um instrumental entre o espacial e o pagão, como se anunciasse uma nova Idade das Trevas.
Outwards From Your Sun é a segunda faixa e creio que é uma das que melhor representa a proposta sonora da BKF, pois nossos principais elementos – ambiência dark, synths vintage, guitarras hard rock (meio Billy Idol), video games (de 8 e 16 bits), letra apocalíptica que apresenta e resume a “mitologia” que tenho criado sob a alcunha de Markyo Rasputinov – estão nela, que saiu em uma das coletâneas góticas nacionais mais prestigiosas, a Temple of Souls I.
Tetsuo, The Body Hammer é a terceira faixa e alusão direta filme cyberpunk japonês homônimo, que aborda a mecanização da humanidade e a perda das emoções. Foi uma das primeiras composições da BKF – e também da Plastique Noir: nos idos de 2005, foi uma das músicas que bolei na primeiríssima leva de composições (que dariam no EP Offering), ainda sob o título “Kiss of The Gorgon”, só que ela acabou arquivada. Quando montei a BKF, vasculhei meus arquivos e achei-a promissora – transformei em synth o que era guitarra e temos aí uma faixa bem diferente – com elementos orientais e industriais – do Perceptron, bem inspirada também no som do Harry, que é uma de minhas grandes influências.
S.O.S. Ourang Medan começa com uma mensagem real de código Morse, possui influências de cold wave e conta a história supostamente real de um famoso “navio fantasma”, o Ourang Medan do título. Nela a tripulação teve as almas roubadas por um terror desconhecido que desceu do céu – daí aproveitei para inserir conceitualmente o Cavaleiro como essa entidade sombria que surge para trazer o caos e o aziago. Há quem diga que ela é “irmã espiritual” de “Mara Hope”, do Plastique Noir… Mas faz sentido, são duas músicas marítimas e sombrias, de tons melancólico-reflexivos.
Eternal Return tem um grande valor sentimental, pois simboliza meu retorno à música obscura após um hiato muito triste. Ela já tinha aparecido antes numa versão single, que também marcou a estreia da BKF com material full. Além do “eterno retorno” do título, vários outros conceitos do filósofo Friedrich Nietzsche são usados num gothic rock com o refrão meio Danzig – e com a participação especial de Roger Lombardi da Goatlove (SP) como a voz do profeta Zaratustra.
Replicant’s Kiss é pós-punk; a mais rápida do disco e uma das preferidas do público, que geralmente abre rodas punk para agitar com ela, que também saiu no volume 4 da coletânea De Profundis, a mais tradicional da cena dark nacional. Como o nome já entrega, fala sobre Blade Runner, distopia, inteligências e amores artificiais – usei, inclusive, algumas falas do filme na letra.
Retrofuture Nights é a sétima música e também foi das primeiras composições do BKF: a intro dela foi a primeiríssima coisa que toquei mais legalzinha no teclado e ficou. A letra também é a mais lúdica do álbum, abordando vários ícones da década de 1980 – seria meu tributo a esta década tão rica da música pop mundial. A música é como um híbrido de The Cult e Duran Duran com um quê de Depeche Mode… É a menos “trevosa” do Perceptron e também bota a galera pra dançar nos shows.
Event Horizon já era conhecida do público em sua versão single. É a mais “viajante”, com uma pegada meio Enigma “versão das trevas” com Kitaro assistindo Interestelar num buraco negro pra esperar um show do Tiamat. A letra faz menções a Carl Sagan, o terror cósmico de H. P. Lovecraft e aos vazios que se formam em nossas existências.
[…] Márcio, que hoje comanda a Black Knight Freqüency, banda de abordagem darkwave mais contemporânea, como ele mesmo gosta de chamar, diz que as demos foram gravadas sem grandes expectativas. “Éramos uma ‘zebra’ na cena fortalezense. (Offering) Acabou reverberando internacionalmente e hoje se tornou item de colecionador”, lembra. “Tenho muito orgulho desse disquinho que fizemos em produção caseira totalmente independente”. […]
[…] fala sobre o conceito filosófico do Eterno Retorno do filósofo Friedrich Nietzsche, que propunha uma repetição do mundo no qual se extinguia para […]