Meu irmão de oito anos me dá um beijo, diz boa noite e deseja: Durma com Deus. Ouço o lindo sotaque nortista que pronuncia “Deush”, a gente se abraça e eu repondo: Durma com os anjos. Depois saltamos cada qual para o sono, esperando a noite tranquila sob o manto invisível da proteção divina.

A despedida carinhosa me lembra o ritual de pedir “abença” de minha Vó todas as noites. Ah! Dormir só tinha valia se eu seguisse à risca o cheiro, o beijo e o pedido que me blindava de ondas gigantes, fuga de fantasma e aquela sensação infinita de cair em buraco sem fundo. Era um rito de sossego, segurança e amor. A certeza de que nós duas atravessaríamos a escuridão e acordaríamos prontas para mais um dia.

Por vezes, levantei para curar a agonia que cansava o peito pelo esquecimento do pedido. Vó podia estar dormindo, mas eu falava baixinho no ouvido dela, dava cheiro, beijo, chega a palpitação passava. Só assim a cama ficava quente e o lençol mais acolhedor. E eu tinha certeza, nós duas nos veríamos na manhã seguinte.

Por esses tempos, não tenho ouvido as pessoas pedirem “abença” com frequência. Não sei se virou apenas costume interiorano, se perdeu a graça, ou se deixamos a candura de lado. Mas acho pedir “abença” um gesto assim tão gigantesco. Parece que abre uma luz do céu, desce um cavalo alado, faz um giro na gente que nem redemoinho em sinal benzedor. A partir dali, acredita, teu dia será bom.

Pedir “abença” é uma dessas humanidades tão íntimas, que sela com o outro um pacto de gentileza e confiança. Sopra um vento de pureza a dobrar qualquer coração cético.

E, nas voltas que a vida dá, chega um tempo em que a gente também passa a dar “abença”. Pode ser pela idade ou quando o gesto vai além de parentesco e hierarquia. Tem a ver com bem querença.

Se você já experimentou dar bênçãos para um amigo, a um colega de trabalho, ou até a um conhecido que disseram estar em apuros, repare como dá uma excitação interior. Parece que abre uma luz do céu, desce um redemoinho a atravessar o corpo e uma comichão vai espalhando pelas mãos. Nessa hora, acredita, você é empoderado de boas energias para enviar a quem estiver precisando.

Na falta de alguém próximo, que lembremos de pedir “abença” à vida. Ela está sempre junto nos guiando noite e dia. De repente, abre uma luz no céu, desce um cavalo alado que passa correndo em redemoinho. Nessa hora, confia, teu dia será bom.

Receber ou dar “abença” é dessas coisas de encher a alma de ternura e paz. “Bença” a “bença” a gente se torna mais simples, humano e gentil.

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Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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