Clara é uma menina de seis anos. Adora a Hello Kitty e é fã da Smurfet, mas faz um esforço homérico para encarar uma competição de corrida. É também acostumada a acompanhar a mãe, a tia ou a avó em trajetórias de uma tarde inteira pela busca do vestido perfeito em lojas de adulto. Este ano, Clara aprendeu a ler, pausadamente tenta chamar atenção da mãe demonstrando interesse pelas revistas coloridas de moda. Não que o acesso da criança seja só a esses meios, ela também coleciona álbuns de figurinha e não troca uma tarde da Livraria Cultura por nenhuma outra aventura.

O fato é que a menina aprendeu a gostar de moda. Na idade em que a mãe é o ídolo maior, ela quer usar o salto alto da mamãe e insiste em caber em qualquer peça cheia de brilho que consiga alcançar no guarda-roupa do qual não tem acesso, ainda. A moda da qual ela diz gostar é na realidade consumo. Tudo o que não se quer incentivar em uma criança na era do consumo é o próprio gosto pelo consumo.

Então, há uma saída para explorar o interesse de Clara pela moda, os livros infantis sobre o tema. A editora Cosac Naify tem uma linha de títulos sobre moda para crianças. Um dos mais interessantes é Diferente como Chanel, biografia da estilista Coco Chanel, ilustrado pela norte-americana Elizabeth Matthews e traduzido pela estilista paulistana Clô Orozco, dona da grife Huis Clo.

A história é contada em pequenos parágrafos e começa dizendo que Gabrielle “Coco” Chanel era pobre e magricela. Na primeira página, a ilustração em aquarela é de uma menininha de nariz empinado que enche o busto do maiô com bolinho de papel higiênico. A biografia de uma das maiores estilistas do século XX tem pano para manga, segura a atenção da criança, os desenhos acompanham a narrativa com graciosidade e delicadeza próprios da grife que tem quase 100 anos. Aos 12 anos, Chanel foi para um orfanato de freiras depois que os pais morreram. Apesar da triste constatação de que tudo ao redor era “simples, preto e branco”, Chanel costurava as próprias bonecas.

O livro lembra a todo momento que Chanel sempre foi diferente, numa época em que as mulheres não trabalhavam, ela conseguiu um emprego. Sem querer ser como todas as outras mulheres, Chanel costurou suas próprias roupas e customizou outras tantas peças. Nessa aparente falta de fantasia cor-de-rosa, a leitura conduz a criança a entender a ousadia de quebrar padrões sociais. A personagem usa o que ninguém mais usava, por isso despertava críticas positivas e negativas. A história leva a criança e ver como um vestido novo pode ser estranho agora, mas talvez venha a ser o vestido mais famoso de todos. Foi Chanel quem criou o pretinho básico nosso de cada dia. Com a explosão da Primeira Guerra Mundial, a biografia de Chanel mostra como as mulheres mudaram a maneira de se vestir, por causa do novo comportamento que surgiu na época.

Uma das lições mais interessantes é que Chanel sempre foi diferente, no começo todos torciam o nariz para ela. Mas Chanel tratava da mesma maneira todas as mulheres, pobres ou ricas. No fim das contas, todos amavam Chanel porque ela era ela mesma.

E o que mais uma mãe quer ensinar para uma filha, a não ser que ela seja feliz sendo ela mesma? Diferente como Chanel é um livro delicioso de ler, mãe e filha compartilham com interesse das mesmas curiosidades sobre o mundo fashion, e é também um bom ponto de partida para mostrar para as crianças como é a vida de um estilista e despertar o interesse pelas biografias.

Editora: Cosac Naify

Tradução: Clô Orozco