Por Nina Rizzi*
quem tem medo da mulheralegria?
bárbara, clichê: és bárbara. mesmo quando leio uma legenda numa foto “melancolia nos trópicos”, não vejo senão uma melancolia bonita, um chiste: és a mulheralegria.
gostava de te escrever uma carta tão bonita quanto a sua presença. fotografias rodeadas das gentes mais alegres, porque é assim o mundo à sua volta.
barbarella, sonhei que te ouvia e te escrevo.
tive um sonho, sim: sonhei com a palavra que a faz mulher: mulheraurora, mulhertempestade, mulheralegria.
sim, eu tive um sonho: e no sonho eu caminhava por tuas palavras –
teus olhos, teus lábios, tuas roupas listradas, por teu joelho meio escondido sob a saia, por tuas memórias, por tuas poemas.
sim, gostava de percorrer teus suores, teus odores, teus desejos febris de poesia. umidadepoesia.
eu tive um sonho, sim – e no sonho eu caminhava sobre a poesia. você me disse: ‘la poesia eres tú’. de repente, percebo que o sonho está aqui: na leitura silenciosa de suas palavras escritas em letrinhas pequeninas, na sua voz de boneca russa que é a boneca mais singela e alegre.
percebo que teu peito não é inatingível. que o amor não é inatingível. e que as fotos que ainda enviarás para mim e para o mundo que ainda pode ver a beleza não serão dias inatingíveis.
e fico a imaginar a vida docemente nua docemente desvairada de alegria. não sem ser a nudez misteriosa.
sei, sei: sempre a verei de perto. na memória capaz de viajar por mundos ancestrais. na memória que lambe a umidade pulsante da alegria contagiante.
o sonho é lindo, delirante. com um sorriso doce, bastante doce. como quando se lambe uma jardim de calêndulas.
tocarei o sonho todos os dias, ao te ler e mais que memoriar: viver a vidalegria com a sensação incrível de “poeticidade amorosa”. E mesmo nos dias tristes, tem razão, haverá ainda:
alegria
nem tudo estará perdido
haverá ainda fogos de artifício
anunciação
nem tudo será pão com presunto e margarina
embora isso também, à sua maneira, seja tão bom
haverá ainda
umas novidades
passeios
banhos de mar
recompensas
honrarias
haverá
refrigerante
teu bolo preferido
alguém que mate a barata
um abraço tranquilo, inesperado
haverá ainda o impossível possível
tartarugas mínimas
um suspiro na noite
um sussurro
uma beleza sufocante e toda tua
uma beleza inusitada
não será para sempre este mar de angústia premente
de incerta paisagem
neblina rasgante
haverá um cheiro bom de tempero
de fritura
ranhura amável na janela
no vidro de uma casa que range bem
e aconchega
haverá violetinhas no parapeito
ninguém varrerá as buganvílias que caírem no chão
nem a purpurina intoxicante dos jambeiros
nem o ipê amarelo
nem as folhas secas solenes
estarão todas na convenção da tarde quente
te assistindo a envelhecer, sorrindo
será macio o dia
como o cheiro de roupa limpa nos lençóis
haverá café
haverá fumaça de castanhas tostadas
debaixo do pé mais alto de cajueiro
haverá risos de crianças
e sonhos que passam sobre o telhado da casa
nas asas de um casal perdido e ímpar de araras azuis
fugidas
sabe-se lá de que gaiola
e agora ziguezagueando fora, livres
pela mata da tua casa
e terás ao lado de ti
alguém para quem
preparar um banho
com água quente
quentinha
esquentada em fogão
e umas folhinhas cheirosas
que fossem talvez
alecrim
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[Bárbara Costa Ribeiro nasceu em 1994, fazia um tanto de sol, a cidade era Macapá. Na infância, gostava de ler, sentia falta de mar. Mudou-se então para Fortaleza, onde cursou Letras e vive hoje. Publicou recentemente Arara Azul, zine de poemas e memórias pelo coletivo A Literação/ UFC, além de outros poemas e contos por aí, inclusive em guardanapos que se perderam na bagunça. Pesquisa Literatura e sua cor favorita é o listrado. Também tira umas fotos incríveis, saídas de um outro tempespaço, talvez de filmes do Tarkóvsky.]
*Nina Rizzi é escritora, tradutora e poeta. Tem textos publicados em revistas, jornais, suplementos e antologias. É também integrante do grupo Leituras Públicas. Gosta de saraus, de periferia, do Centro de Fortaleza e de eventos literários. Ela escreve mensalmente no blog Leituras da Bel sobre mulher e poesia.
**As iniciais minúsculas predominantes ao longo do texto são uma opção da colunista Nina Rizzi.