A Petrobras enviou ontem nota à imprensa defendendo a medida de divulgar, em seu blog Fatos e Dados, as perguntas que lhe enviam os jornais, com as respostas da empresa, antes da publicação da matéria que seria produzida a partir dos questionamentos.
Também divulgaram nota a ANJ [Associação Nacional dos Jornais], classificando a atitude da Petrobra de “antiética e equiva”, e a Abraji [Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo], na qual “condena” a divulgação antecipada de respostas a jornalistas pela estatal, mas ressalva que a empresa ” tem o direito de confrontar suas respostas com o que foi publicado”.
Veja as notas abaixo:
Petrobras cria blog para dar transparência às informações divulgadas
1. Em relação às matérias publicadas na imprensa sobre o blog Fatos e Dados, a companhia entende que não houve quebra de confidencialidade ou ilegalidade na publicação das perguntas e respostas enviadas aos jornalistas no recém lançado blog.
2. A relação entre a Petrobras e os veículos de comunicação que a interpelam é essencialmente pública. Neste contexto não há espaço para informação sigilosa, como o verbo “vazar” utilizado por alguns veículos. Tanto as respostas da Petrobras são públicas quanto as perguntas dos repórteres também o são, ou deveriam ser.
3. A publicação das respostas no blog, antes da decisão editorial de um jornal publicar ou não a reportagem em questão, reforça o objetivo da Petrobras de alcançar o máximo de transparência possível no relacionamento com seus públicos de interesse.
4. A agilidade no tratamento e no encaminhamento das respostas aos questionamentos da imprensa demonstra também o compromisso da Companhia em prestar todos os esclarecimentos a ela solicitados.
5. A Petrobras tem liberdade para publicar a íntegra das respostas que fornece aos veículos de comunicação porque é fonte e detentora dos dados disponibilizados. No campo jurídico, especialistas consultados reafirmam a legalidade de nossa decisão. Cabe-nos, entretanto, ressaltar que a medida não tem como objetivo prejudicar o trabalho dos jornalistas.
6. A iniciativa de criar o blog Fatos e Dados, na opinião da Petrobras, é um marco na construção de novas pontes de comunicação com os públicos de relacionamento da companhia, em uma nova era de circulação de informação digital em tempo real. A chamada blogosfera permite uma relação direta entre a fonte divulgadora de informação e os leitores, sem a necessidade de filtros, de maneira que a decisão sobre o que interessa de fato ao receptor seja por ele selecionada, na medida em que tem acesso à íntegra das perguntas e respostas.
7. Entende ainda a Petrobras que contribui com o avanço democrático ao possibilitar um diálogo mais profundo nessa complexa teia, composta por intermediários pulverizados e integrados em redes múltiplas.
8. Por fim, cabe ressaltar que o objetivo do blog é essencialmente dar transparência aos processos da Petrobras e não prejudicar o levantamento de fatos e dados pelos jornalistas. Ao contrário, a divulgação prévia poderá propiciar aos veículos, inclusive, que justifiquem mais tecnicamente suas legitimas posições editoriais. Quaisquer que sejam elas, desde que explicitamente opiniões, serão sempre legitimas no entendimento da Petrobras.
9. Essa nota também será publicada no Blog da Petrobras, na coluna “Nossa Opinião”.
ANJ se manifesta contra Petrobras
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) manifesta seu repúdio pela atitude antiética e esquiva com que a Petrobrasvem tratando os questionamentos que lhe são dirigidos pelos jornais brasileiros, em particular por O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, que nas últimas semanas publicaram reportagens sobre evidências de irregularidades e de favorecimento político em contratos assinados pela estatal e suas controladas.
Numa canhestra tentativa de intimidar jornais e jornalistas, a empresa criou um blog no qual divulga as perguntas enviadas à sua assessoria de imprensa pelos jornalistas antes mesmo de publicadas as matérias às quais se referem, numa inaceitável quebra da confidencialidade que deve orientar a relação entre jornalistas e suas fontes. Como se não bastasse essa prática contrária aos princípios universais de liberdade de imprensa, os e-mails de resposta da assessoria incluem ameaças de processo no caso de suas informações não receberem um “tratamento adequado”. Tal advertência intimidatória, mais que um desrespeito aos profissionais de imprensa, configura uma violação do direito da sociedade a ser livremente informada, pois evidencia uma política de comunicação que visa a tutelar a opinião pública, negando-se ao democrático escrutínio de seus atos.
Brasília, 8 de junho de 2009
Júlio César Mesquita
Vice-Presidente da ANJ
Responsável pelo Comitê de Liberdade de Expressão
Abraji condena atitude da Petrobras de divulgar perguntas de jornalistas antes da publicação da reportagem
A Abraji [Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo] condena a atitude da Petrobras de divulgar em seu blog “Fatos e Dados” as perguntas que recebe de jornais e repórteres sobre investigações conduzidas, muitas vezes, de maneira reservada.
A Abraji entende que após a publicação da matéria, a Petrobras – assim como qualquer outra empresa, instituição ou pessoa – tem o direito de confrontar suas respostas com o que foi publicado. Mas, ao divulgar os questionamentos e eventuais respostas antes da veiculação da reportagem, a estatal federal prejudica o trabalho jornalístico do profissional que, de boa fé, procura a empresa para checar alguns dados ou ouvir alguma contestação para compor o trabalho de reportagem.
Ao agir dessa forma, a Petrobras inibe os meios de comunicação e os jornalistas que precisam verificar com a empresa informações de eventuais reportagens que serão veiculadas. A estatal deve rever essa prática para preservar um relacionamento profissional com os meios de comunicação e jornalistas, que têm o direito de manter suas apurações em sigilo antes da veiculação do produto final.
Comentário
Como escrevi na postagem abaixo, a Petrobras está em seu pleno direito quando cria um blog para expor sua argumentação, mas erra ao divulgar perguntas que lhe são feitas por jornalistas antes da publicação da matéria.
A Petrobras e a transparência não sofreriam nenhum prejuízo se a empresa confrontasse as suas respostas com a matéria que dela se originou, depois que os jornal publicasse a reportagem.
Há pelo menos dois bons motivos para isso:
1. Um jornal pode estar de posse de um informação exclusiva e tem o direito de apurar a matéria até o seu final para publicá-la antes de seus concorrentes.
2. Um meio de comunicação pode estar de posse de uma denúncia, verificá-la com a empresa e se convencer que não procede, portanto, não irá publicar a suspeita. Se a Petrobras publicar antes a pergunta e a resposta, levará a público um boato, prejudicando a si mesma. [A não ser que a estatal faça uma triagem do que irá divulgar em seu blog, aí o argumento da “transparência” cairá por terra.]
No mais
A medida da Petrobras vai criar; aliás, criar não, vai mostrar, mais uma vez, a divisão que observamos hoje. De um lado, aqueles que chamam os jornais de “partido da imprensa golpista”; de outro aqueles que atacam o governo por todos e por nenhum motivo.
Precisamos nos afastar de ambos os lados, pois aos dois faltam razão e argumentos e sobram xingamentos e [auto]desqualificação. Isso, certamente, não levará a lugar nenhum: nem a uma imprensa melhor, nem a um governo melhor.
Neste debate, a Petrobras poderia dar duas grandes contribuições:
1. Reconhecer que a sua medida de divulgar antecipadamente suas respostas ao jornais foi um equívoco – e suspendê-la;
2. Manter o seu blog, confrontando as respostas dadas com as matérias publicadas, de modo a oferecer sua visão plena aos leitores.
Os jornais também poderiam contribuir:
1. Reconhecer que qualquer pessoa, instituição ou empresa, tem o direito de confrontar o que é publicado pela imprensa, principalmente quando seu próprio nome está envolvido;
2. Aceitar que a publicação da resposta de uma fonte, na íntegra – depois de a matéria publicada -, contribuiu para a transparência e para a verdade, objetivo que devem perseguir todos os meios de comunicação.
caro bortolloti,
como o colunista apontou, o fato novo na imprensa brasileira é o avanço, inquestionável, da blogosfera.
a petrobras, acompanhou o exemplo da ufmg. chegou ao ponto que um jornal de minas gerais, pasme, pediu direito de resposta ao blog da universidade.
agora a anj, que congrega a voz dos donos dos jornais, acusa o golpe. antes seus empregados só denunciavam. na maioria das vezes não permitiam siquer o direito de resposta. cavalgavam na planície sem contestação, pois a lei de imprensa do tempo da ditadura foi revogada. só restava a suposta ética, tanto dos proprietários dos meios de comunicação como dos próprios jornalistas.
veja como são as coisas. um simples blog que , com certeza, será imitado por outros, abala a mídia brasileira ciosa de seus poderes de interferir a qualquer momento na vida pública nacional sem prestar contas a seu ninguém. que coisa, hein?
cá comigo, acho hilária a situação e sugiro ao meio jornalístico que tentem entender o novo que se descortina senão perderão, não o bonde da história, mas a “teia” da rede global no tempo presente, de agora.
abçs
Caro Ricardo,
V. tem razão quando diz que algumas entidades e jornalistas reagiram de forma excessiva. Mas a Petrobras se equivoca ao divulgar antes a resposta que envia aos jornalistas. Não haveria nenhum prejuízo para a transparência das informações se o fizesse depois. Pelo contrário, os leitores poderia confrontar diretamente o que foi respondido com o que foi publicado.
Agora, quanto à boa fé, precisamos partir do princípios que todas os profissionais assim agem – sejam jornalistas, engenheiros, médicos, professores, operários, etc. Desvios existem em todas as categorias, mas não se pode tomar estes por todos.
A tese de quebra de sigilo é simplesmente ridícula e não está encontrando berço na população. A posição dos jornalistas é corporativa, portanto, só atende ao interesse dos jornais e não aos princípios do controle social.
Pelas frases raivosas do ANJ já dá noção do ranço. A entidade ainda tem coragem de se referir a Petrobrás (uma estatal) como uma fonte sigilosa: “… numa inaceitável quebra da confidencialidade que deve orientar a relação entre jornalistas e suas fontes…”, ora, para existir esta confidencialidade seria necessário um acordo tácito entre as partes o que efetivamente não ocorreu, basta uma breve consulta a constituição para entender os conceitos de publicidade e tempestividade.
Outra frase da mesma associação beira o ridículo pelo exagero: “uma política de comunicação que visa a tutelar a opinião pública, negando-se ao democrático escrutínio de seus atos”, ora, não me sinto tutelado e acredito, pela opinião dos leitores, que também não é a sensação da grande maioria.
Já a nota da Abraji, embora mais comedida, incorre em erros de avaliação, alega que a ação da Petrobrás “… prejudica o trabalho jornalístico do profissional que, de boa fé, procura a empresa para checar alguns dados ou ouvir alguma contestação…”, pergunto? E aqueles que não têm boa fé? Ou a categoria é composta apenas de bons profissionais? Sabemos claramente que existe contaminação política em vários veículos de comunicação (tanto de direita quanto de esquerda).
Por fim, ao realizar pressões contra a estratégia de comunicação da estatal, na minha ótica, se caracteriza como um forte atentado a liberdade de expressão. Informação, em tempos de internet, não é reserva de mercado O risco é ficar a impressão de que a imprensa quer a volta da censura.
Resta o consolo: a ABI pensa diferente das “indignadas” associações de jornalistas.