- Papo: ilustração de Hélio Rola
A artigo que segue abaixo, de minha autoria, será publicado na edição deste domingo no O POVO, na editoria de Opinião. Respondo a um artigo do psicanalista Valton Miranda [aqui] publicado na edição de 9/8/2009.
A paranóia sobre a mídia
Virou esporte nacional atacar a “mídia”. Exerci a função de crítico, em período integral, durante três anos, como ombudsman deste jornal. Considero importante manter os meios de comunicação sob escrutínio, mas rejeito os “críticos” que costumam jogar a criança junto com a água do banho.
Se tomamos “mídia” como sinônimo do conjunto dos meios de comunicação ou de “indústria cultural”, será preciso separar o jornalismo das manifestações artísticas (cinema, música), publicidade, etc. O jornalismo tem compromisso com a realidade; o papel do jornalismo é produzir notícias, fornecer informações para ajudar as pessoas a se situarem no mundo.
Sobre esse aspecto vou responder ao artigo do psicanalista Valton Miranda – “As entranhas da mídia” -, publicado nesta editoria, no domingo passado. Faço-o por respeitar o autor de “A paranóia do Soberano – Uma incursão na alma da política”, livro no qual obtive subsídios para compreender a fixação persecutória da esquerda e sua desmedida violência contra militantes congêneres, maior, por vezes, do que o dedicado ao “inimigo de classe”.
Escreve Valton Miranda em seu artigo: “O campo midiático é, na verdade, um sistema ideológico da classe dominante capitalista que Habermas, na sua vacilação filosófica não definiu claramente, colocando-o no espaço potencial do argumento democrático”. Considerado herdeiro da “Escola de Frankfurt”, Jürgen Habermas procurou superar os conceitos dos fundadores, mas Valton parece preferir a ortodoxia que envenenou gerações de estudantes – ensinando que a “indústria cultural” produzia pessoas incapazes de fazer julgamentos conscientes.
Quanto à primeira parte da afirmação costumo dizer, meio por chiste (os chistes podem ser sérios, como sabe o dr. Valton e sabia o dr. Freud), que tudo e todos estamos submetidos ao “sistema capitalista”, inclusive a academia, inclusive a psicanálise – e nem por isso podemos condená-los no tribunal da totalidade.
Esta semana li artigo de Lúcio Flávio Pinto, no Observatório da Imprensa, que traz luz ao debate. O jornalista paraense é “dissidente” da grande imprensa, na qual trabalhou por longos anos. Desde 1987 publica, sozinho, o “Jornal Pessoal”, experiência única no jornalismo brasileiro, que lhe custou, inclusive a agressão física de um dos donos de “O Liberal”, de Belém.
Ele teria todos os motivos para se lamentar, para vilipendiar a “grande imprensa”, mas vejam o que escreve: “Os jornalões passaram a ser o Judas da malhação. É fácil desnudar seus compromissos políticos e comerciais, suas limitações tácitas, seus arranjos corporativos. Mas o que colocar em seu lugar?” E continua: “Esta é uma preocupação que precisa ser partilhada e desenvolvida no lugar da mera e pronta rejeição”.
Lúcio Flávio vai ao ponto. Nada ainda se inventou melhor do que a imprensa livre, por maiores que sejam os seus defeitos, pois é um espaço de confronto democrático. E, a exemplo da democracia: temos o direito e o dever de criticá-la; mas seria um tiro no pé demandar pelo seu fim ou propor-lhe censura.
O que eu acho mais engraçado, ao ver que a paranóia antimídia foi encampada pela esquerda, é lembrar que os patronos da técnica são ninguém menos do que Richard Nixon e Ronald Reagan. Recomendo vivamente a leitura de “A mídia e o triunfo da cultura idiota”, artigo de Carl Bernstein traduzido por mim, que conta a gênese disso. http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/mt120320031.htm
Do texto:
“O secretário de imprensa Ron Ziegler, o líder da minoria na Câmara Jerry Ford ou o líder republicano no Senado Bob Dole nos acusavam de abastecedores do diz-que-diz, de assassinar reputações, e faziam insinuações sem nunca tocar no que nossas matérias diziam.
Ao invés de desaparecer depois do Watergate, a técnica nixoniana de transformar a imprensa no assunto ganhou novos patamares de esperteza e cinismo durante a administração Reagan, e floresce hoje. Daí a declaração de Reagan sobre os tristes eventos que devastaram sua presidência no caso Irã-Contras: “O que me faz subir as paredes é que isso não era um problema até que a imprensa pegou uma dica naquele pasquim de Beirute e começou a encher a bola. A coisa toda acaba numa grande irresponsabilidade por parte da imprensa”.
Agora, com George Bush [pai], temos outro presidente obcecado com vazamentos e sigilo, um presidente que não entendia por que a imprensa achava que era notícia revelar que seus homens armavam uma falsa apreensão de drogas na Lafayette Square, do outro lado da rua da Casa Branca. “Do lado de quem vocês estão?”, ele perguntou. Essa era uma questão legitimamente nixoniana. Esse desprezo pela imprensa, passado para centenas de funcionários públicos que hoje têm mandatos, pode ser o mais importante e duradouro legado do governo Nixon.”
É a defesa da lógica simples da própria vida. No intuito de destruir o verme, não podemos matar o indivíduo. O simples aqui se afasta do simplório, da idéia de que o todo pode ser destruído, com a justificativa de um desvio detectado em uma parte. O Jornalismo, por mais falho que seja, obviamente se põe como ponto crítico à construção e não fomentador da destruição em si. Enfim, no organismo vivo, o Jornalimos se põe como equilíbrio, seja justo ou injusto, põe tudo em discussão e,indubitavelmente, gera equilíbrio.
Li com interesse os pertinentes comentários feitos ao meu artigo “As entranhas da mídia” pelo jornalista Plínio Bortolotti. Antes de mais nada, quero enfatizar meu grande respeito pelos jornalistas que trabalham na imprensa brasileira e, no caso particular o Plínio, pessoa que admiro. No seu artigo-resposta “A paranóia sobre a mídia” julgo não ter sido bem entendido na minha crítica ao sistema comunicacional. A primeira coisa a deixar claro é que no livro “A Paranóia do Soberano” considero toda e qualquer prática política como tendo um motor paranóico. Portanto, não se restringe à esquerda e o maior exemplo de paranóia na história foi o nazismo, movimento de direita. O outro aspecto imediatamente conexo da minha reflexão crítica é que na contemporaneidade não é possível separar mídia, prática política e mercado consumológico. Dessa maneira, se o Capital Global está na sua fase de produção destrutiva, conforme nos ensina Marx, a mídia como estrutura comunicacional universal está inserida no mesmo processo. Não creio que a mídia constitua um campo destacado do conjunto. Por exemplo, a mídia chinesa é ideologicamente orientada pelo PC chinês mas inscreve-se na ordem capitalista (capitalismo de Estado). O sistema como um todo está interligado por um fio condutor que na minha opinião descaracteriza qualquer discurso argumentativo em benefício do sistema imagético entendido como acústico e visual. Isso significa que a mídia funciona principalmente penetrando na mentalidade coletiva através de imagens emocionais e não pelo pensamento ou palavra na perspectiva consciente racional. Decorre daí que seu impacto é muito mais pelo que omite ou não diz do que pela informação direta. Quando os americanos invadiram o Iraque a mídia transmitia a palavra da Casa Branca dizendo que o fazia em nome dos Direitos Humanos para derrubar um ditador que ameçava o mundo com armas químicas. A escandalosa pirotecnia escondia a verdade subjacente dos interesses geopolíticos e da economia baseada no petróleo. O Roberto Marinho reconheceu isso, não sei bem onde, quando disse que a Globo impactava mais pelo que não dizia. Tal disjunção é uma prática universal do sistema comunicacional. O Sarney agora virou demônio quando na verdade, sabe a mídia, que o coronelismo fisiológico é uma prática que vem da República Velha. A OAB Nacional compreendendo isso afirmou que a melhor maneira de “limpar” o Senado seria uma renúncia de todos os senadores exatamente para não se envolver na pirotecnia da mídia brasileira. Naturalmente, a mídia do Brasil não é uniforme mas seu maior poderio está claramente numa aliança com a classe dominante principalmente no eixo Rio-São Paulo. O maior exemplo atual dessa diatribe é a briga Globo-Record na qual a primeira tenta mascará a competição feroz pela audiência, jogando em cena os vendedores de salvação da Igreja Universal. Apesar dessa universalidade antidemocrática do sistema comunicacional que se alia na sua maioria as classes dominantes locais como fez recentemente em Honduras a mídia cumpre um papel relevante tanto através da observação crítica da sociedade como da exposição de suas anomalias e deformações. Durante a ditadura militar uma parte da imprensa, embora minoritaria, escancarou as janelas e portas da tortura e das prisões políticas. O jornalista V. Herzog foi vítima e herói desse momento paranóico paroxístico da política brasileira. Finalmente, creio que há uma dificuldade da própria mídia para falar de si mesma e quando alguém o faz tentando entender suas entranhas, habitualmente é visto como intrometido. A política não é muito diferente pois quando a examino enquanto psicanalista sou criticado sob o argumento de pretender colocá-la no divã. Na verdade quero dizer que as forças destrutivas inconscientes do homem são profundamente ativadas por um sistema que privilegia o individualismo egoísta em detrimento da solidariedade comunitária. Finalizo, agradecendo ao jornal O Povo pelo espaço democrático que sempre me proporcionou e ao jornalista Plínio Bortolotti pela oportunidade de ampliar minha reflexão.
P.S.: como não enxergo somente fui advertido pela minha leitora e digitadora que estava no blog do Plínio ao final deste texto. Aproveito para lançar uma pergunta: Por que os representantes da grande imprensa brasileira se recusam a participar da I Conferência Nacional de Comunicação que se realizará no mês de dezembro em Brasília?
Tenho acompanhado o debate sobre as comunicações no Brasil e não creio que se queira “jogar a criança fora junto com a água do banho”.
O que nós, críticos da mídia, queremos é que a criança tome o banho direito.Ou melhor, que todas as crianças tenham direito à ele.
Se as leis em relação à mídia, no Brasil, fossem cumpridas já haveria grande avanço na questão de sua concentração de poder, a qual fere a Democracia.Se seguíssemos o que países mais adiantados fazem, não haveria o controle cruzado dos meios de comunicação, o que faz com que grupos controladores, ao mesmo tempo, de jornal, rádios, televisões e agências de notícias pratiquem um oligopólio da informação.
Dois exemplos atualíssimos:
1- a manobra em curso do presidente colombiano Uribe em busca do seu terceiro mandato não teve o destaque que se deu à mesma situação com venezuelano Chavez.
2-No mesmo dia em que se fez escândalo pelo arquivamento das denúnicas contra Sarney, a salvação do comprometidíssimo senador Artur Virgílio recebeu coluna de canto de página e mal repercutiu em outros meios.
O que nos salva são espaços como o seu, utilizados diariamente por milhares de cidadãos que não tem espaço para se expressar.
Grato,
Caro Plínio,
li seu texto e gostei da sua argumentação. As minhas reflexões sobre o Sistema Comunicacional vão para além da informação ou omissão. Isso significa que vejo na “mídia” um sistema universal que ingressa na mentalidade coletiva estimulando prioritariamente o que o ser humano tem de pior. Tal processo se dá em virtude de uma predominância do discurso emocional das imagens em detrimento da fala argumentativa das palavras. Quando isso é manejado pelo Capital Global a tendência concentradora do seu interesse lucrativo passa a ter uma dimensão devastoradora sobre as pessoas. Não desconheço que muitos jornalistas honestos mundo afora, tal como você, têm colaborado para um maior equilíbrio no que se refere a informação democrática. Por outro lado, estou conscio da complexidade desse tema que envolve tantas variáveis. Aguardo com ansiedade a realização da I Conferência Nacional de Comunicação em dezembro em Brasília mas não tenho dúvida de que os “donos” da grande imprensa no eixo Rio-São Paulo, Brasília, Porto Aelgre, Belo Horizonte farão de tudo para ter o controle do evento. De qualquer forma valerá a pena debater e ampliar o espaço democrático participando desse acontecimento auspicioso.
Um abraço,
Valton