HR - Violência

Plínio Bortolotti

Andrew Keen é um escritor inglês que coleciona inimigos no mundo da tecnologia.

Um dos pioneiros na internet, onde criou o site Audiocafe, em 1995, o teórico hoje vive em Berkeley, na Califórnia, disparando algumas críticas ácidas contra seus ex-colegas do Vale do Silício e idealizadores da Web 2.0.

É um provocador, que, à primeira vista, parece ser alguém controverso. Crê nos malefícios da tecnologia para a cultura atual, mas carrega um iPhone no bolso. Não acredita no poder das mídias sociais, porém, tem perfil em todas elas. Abomina o YouTube e acha que os vídeos em streaming são uma revolução.

Como crítico, Keen faz bem o papel de estar familiarizado com tudo aquilo que opina e condena. Seu principal alvo são os homens que guiam as máquinas, sobretudo o grupo que chama de “crentes tecnológicos”, formado por Chris Anderson, Lawrence Lessig e outras personalidades.

Esta semana, ele passou no Brasil para lançar seu livro “O culto amador” [corrigido em 18/4/2012, antes constava equivocadamente “O culto ao amadorismo”] , que teve sua primeira edição publicada em 2007, nos Estados Unidos. Aproveitamos a passagem do autor por aqui e conversamos sobre seus pontos de vista, suas brigas e até mesmo seus hábitos na web. [Reproduzido da revista Info Online, em texto e entrevista, que segue abaixo, de Guilherme Pavarin, com o título “O homem que duvida da web 2.0”]

INFO: No Twitter, sua definição é “Anticristo do Vale do Silício”. Quem é o Cristo, ou qual a igreja que você luta contra?

ANDREW KEEN: A igreja são as pessoas que acreditam que a tecnologia pode nos liberar de certas estruturas que supostamente repreendem os seres humanos; estruturas de autoridade, sócio-culturais e econômicas. Por exemplo, Kevin Kelly penso que seja um desses “crentes tecnológicos”, assim como Chris Anderson e Lawrence Lessig. Enfim, luto contra todas essas pessoas que acham que a tecnologia pode resolver profundamente a cultura social, a informação moral e problemas da educação. Não acho que tecnologia, necessariamente, deva ser levada tão a sério, que a internet transforme a condição humana. Anticristo é uma espécie de brincadeira. Como anticristo, estou desafiando os princípios fundamentais dessa igreja.

INFO: O subtítulo do seu livro faz uma consideração apocalíptica ao dizer que, de certa forma, a internet atual está matando a cultura. Você crê nisso ainda? Vê uma “salvação”?

ANDREW KEEN: Sim, eu penso que é um mau subtítulo agora. Quando escrevi o livro, mostrei como usar conteúdo gerado no YouTube e em sites como Wikipedia estão matando nossa cultura. Não disse que a internet matou nossa cultura, realmente. A internet somos nós. Quando estamos olhando para ela, estamos nos olhando no espelho. Se alguém está matando nossa cultura, somos nós, com nosso narcisismo e nossas obsessões por nós mesmos. A definição de que internet está matando nossa cultura é muito simplista. A internet, assim como a tecnologia, é causa e conseqüência de nossa crise cultural. E internet é também causa e conseqüência da penalização da cultura e a falha de gerar uma mídia séria e responsável. A internet foi construída por libertários californianos, ex-hippies, pessoas que tinham aversão à indústria americana. Tecnologia foi construída por seres humanos. Para entendê-la, você deve conhecer os seres humanos. Tecnologia contém ideologia. A internet é uma coisa profundamente ideológica. É um reflexo de suas fundações ideológicas anti-autoritárias.

INFO: O que você quer dizer ao alegar que estamos vivendo uma espécie de “cultura do narcisismo” na internet?

ANDREW KEEN: Cultura do narcisismo é quando usamos esta mídia para celebrarmos nós mesmos. Inventamos essas ferramentas para permitir que qualquer um possa ser um emissor. E, agora, estamos usando essas ferramentas para celebrar nossas supostas habilidades, pontos de vista e opiniões. Isso se tornou um veículo de individualismo radical. Não sou tão puritano a ponto de dizer que nunca deveríamos escrever e pensar sobre nós mesmos. É uma posição muito rigorosa. Já existia a cultura do narcisismo desde a era pós-industrial, antes mesmo da internet. Chistopher Lasch escreveu sobre isso. A Escola de Frankfurt escreveu sobre isso. Então a internet veio à tona e provavelmente com a condição de produto do narcisismo. Hoje, temos uma plataforma do narcisismo pós-industrial, estamos obcecados por nós mesmos. Veja, como exemplo, a idéia de que no Twitter nós acreditamos que é importante anunciar o que estamos comendo no almoço, onde estamos indo… O que é interessante e controverso sobre a internet é que estamos cada vez menos sociais, mais e mais individuais. Toda ambição da mídia social está errada. A mídia social deveria tornar as pessoas mais sociais, mas elas estão ficando mais narcisistas. A culpa não é da tecnologia ou da internet, elas não têm mente, não têm cérebro. É uma causa e conseqüência do que somos, de como agimos na sociedade capitalista. Isso é muito preocupante, eu penso.

INFO: O que você acha da definição que a internet é livre, sem dono?

ANDREW KEEN: É uma ideia muito perigosa porque é claro que sempre estamos pagando por isso. As pessoas têm que pagar ao governo, ao provedor, à escola, à universidade. Acho que precisamos lembrar as pessoas que isso não é gratuito, nunca foi e nunca será. A cultura nunca será gratuita; se você quer boa qualidade de escrita, música e filmes, alguém tem que pagar alguém, seja o editor, o artista ou o caça-talentos. A noção de livre é apenas uma ilusão, algo moderno, mas errado. O grande desafio em termos de “ser livre” é ir às escolas e explicar em particular as crianças, os ‘nativos digitais’, que eles precisam pagar por seus conteúdos. Não estou dizendo que nada deve ser gratuito. Mas o que aconteceu foi que no fim dos anos 90 tudo estava livre, tornando-se muito difícil de vender algo na internet: livros, conteúdos e especialmente música mainstream. Ainda não está claro qual é a solução.

INFO: Você gosta de música? Como você a consome?

ANDREW KEEN: Sim, gosto. Nunca fiz um download ilegal. Fico feliz em pagar. É algo relativamente barato comparado com um café, ou um jantar. Um jantar pode custar cem dólares. Por cem dólares você pode comprar sete CDs. Com três copos de café no Starbucks, posso comprar muitas músicas do Bob Dylan. Muitos dizem que os CDs estão ultrapassados, eu não acho. Você tem que ser um comprador cuidadoso. Se a música não for boa, você não tem que comprar. Um dos fatores da crise da música é que o álbum foi deixado de lado, e as músicas são compradas individualmente no iTunes. Sim, eu compro minhas músicas, felizmente. Nunca fiz algo ilegal na internet. Sei que tenho sorte por poder ir a uma loja e comprar coisas, mas isso não dá licença para as crianças roubarem. Não sou necessariamente favorável a essas punições pesadas, inapropriadas. O fato de uma gravadora correr atrás de um garoto pedindo milhões de dólares e arruinando sua vida é inapropriado, não é algo afável. Mas isso não serve de desculpa para o roubo. Roubo é ilegal. Algumas pessoas dizem que precisamos liberalizar nossas leis de direitos autorais e que é preciso habilitar mais conteúdos por razões criativas e eu concordo com elas, é um bom ponto. Mas eu suspeito que a vasta maioria das pessoas que baixa conteúdo ilegal na internet faz isso apenas por consumo, não faz porque são criativos; não fazem remakes, mashups com o que baixam. Não há diferença entre um roubo de conteúdo digital e um roubo físico.

INFO: O que você faria se eu dissesse que baixei uma cópia do seu livro sem pagá-lo?

ANDREW KEEN: Eu não ficaria horrorizado(longa pausa).Eu diria que se você fez isso só para provocar, se fez porque não concorda com minhas idéias, não sei o que dizer, não me importo, porque você não gosta de mim e não faz diferença de uma maneira ou de outra. Eu diria que se você gosta de minhas opiniões, se você se importa comigo como um escritor, se quer ler mais do meu trabalho, roubando meu livro você não apoia meu futuro. Meu trabalho será pior, porque terei que arranjar um emprego como garçom, como barman ou como um advogado, terei que trabalhar à noite. A razão por ter escrito esse livro, que fez bastante sucesso por ser provocativo, é porque a editora me deu dinheiro e alguns meses para me dedicar ao livro. Se você rouba o livro, a editora não terá receita e não me dará outra oportunidade. Veja bem, não sou tão moral a respeito do roubo, não vou cortar seus dedos fora ou lhe estrangular por isso. Só peço para as pessoas medirem as conseqüências de seus atos. Isso não acontece só comigo. Veja só o caso da música, em particular. Os fãs de música vivem em função dela. Mas quanto mais roubam música, menos música terão no futuro. Se você rouba música online e paga por shows e compra camisetas dos grupos, torna-se mais aceitável, embora não sirva como justificativa para o roubo. Um fã deve monetizar aquilo que adora.

INFO: Você pode imaginar um futuro dominado por blogueiros, sem jornalistas profissionais?

ANDREW KEEN: Acho que os termos blogueiros e jornalistas profissionais estão perdendo seus significados. Transformando sua pergunta em outra, posso imaginar jornalistas não sendo remunerados pelos seus serviços. É bastante perturbador, mas é possível. Penso que possivelmente cada vez mais teremos poucos ‘jornalistas’, de modo que a noção do jornalismo mudará para algo mais multimídia. O tipo de jornalista que vai, faz a entrevista e escreve para jornais físicos sumirá. A noção do que significa ser jornalista já está mudando drasticamente.

INFO:O que a mídia tradicional deve fazer para sobreviver? Pular nas novas mídias é o suficiente?

ANDREW KEEN: Acho que o que a velha mídia deve fazer é entender que estamos atravessando uma mudança fundamental no seu valor. Não são mais monopolistas. Os veículos impressos costumavam ser donos dos meios de distribuição, tinham uma posição monopolista do mercado. A mudança fundamental é que o real valor é transferido da instituição do jornal para o jornalista individual. Agora, um jornalista talentoso pode publicar por conta própria, sem o jornal. Pode estar nos blogs, pode estar no Twitter, pode dirigir seu veículo. O desafio para a velha mídia, então, está em se transformar de dentro para fora, construindo organizações e redes de jornalistas, que podem efetivamente distribuir e vender o produto, recolher uma ‘marca guarda-chuva’ como jornal. Penso que jornais como New York Times, por exemplo, tem que entender que, no mundo digital, uma marca como eles não tem qualquer valor, o que tem valor são os escritores do New York Times. Para o New York Times ter sucesso, tem que obedecer à nova realidade: em poder do escritor e da mudança da natureza da sua marca.

INFO: Qual é a pior coisa da internet?

ANDREW KEEN: A pior coisa é o anonimato. O ocidente é um lugar livre, você pode dizer o que quiser. Mas internet está crescendo como uma mídia responsável, nós temos que ter responsabilidades por nossas visões. O anonimato é inaceitável, faz a internet ser corrosiva. Se você não gosta de alguém e escreve sobre ela, tudo bem, mas diga quem você é. Penso que devemos cultivar mais a cultura da responsabilidade.

INFO: E a melhor?

ANDREW KEEN: A melhor coisa é a energia e a vitalidade. Acho que a internet atrai novas formas de negócios, atrai pessoas inteligentes, atrai as mais energéticas, as mais dinâmicas, as mais talentosas, especialmente em termos de tecnologia. A mudança está sendo problemática de algumas maneiras, mas também é bastante excitante porque há coisas novas. Todo ano há uma companhia que muda tudo. Este ano é o Twitter, ano que vem será outra. A internet nunca é chata. É sempre envolvente e agora estamos a vivenciando em tempo real, com a revolução do streaming.