Ariano Suassuna continua com a língua afiada, como ele mesmo diz, para atacar qualquer coisa que ela acha que possa conspurcar a verdadeira cultura popular brasileira. O saco de pancado escolhido para esta noite [29/11/2009] foi a banda Calypso, que ele esculhambou pelo menos em três ocasiões diferentes, em sua aula-show no Centro Cultural Sesc [Cine São Luiz].

No começo, um pouco de autoironia: disse que já está um pouco cansado de repetir as mesmas coisas. E que sente pena de sua mulher que o acompanha em todas as palestras “ouvindo sempre as mesmas histórias”. Contou como começou a namorá-la, “em 20 de agosto de 1947” – e diz que só a conquistou, pois as “moças bonitas costumam ter mau-gosto”, referência à sua suposta feiúra. “Eu tive sorte”. Choveram aplausos.

Passou três filmes de música e dança que compõem um projeto que leva artistas para as cidades do interior de Pernambuco – atividade que ele realiza como secretário da Cultura de Pernambuco. Aproveitou para comparar um dos bailarinos com Michael Jackson, puxando a brasa dos elogios para o brasileiro.

O ponto alto da palestra foi o tributo que ele fez a Leonardo Mota, o cearense de Pedra Branca, de quem em venho publicando alguns textos neste blog [veja aqui]. Mostrou uma foto do mestre Leota, a mesma que pode ser vista no link.

Ariano diz que sempre gostou, desde menino, de livros e de cantadores. Quando descobriu, nas escrituras de Leonardo Mota, que os cantadores eram “objeto de livro”, percebeu  também que “eles eram respeitados”.

“Foi o primeiro escritor que me chamou a atenção para o romanceiro popular, eu devo muito a ele: tudo o que eu escrevo tem essa marca”, disse, citando os livros “Violeiros do Norte” [1925] e “Sertão alegre” [1928], que eram da biblioteca do pai de Ariano, de quem mestre Leota era amigo.

“Eu presto a minha homenagem a ele, um cidadão que honra o Brasil”, disse Ariano, lamentando o esquecimento a que Leonardo Mota vem sendo relegado.

Piada

Ao criticar o hábito que muitos têm de pôr nome americanizado nos filhos, Ariano contou a história de um amigo dele, com quem trabalhou, de nome Clomilton [a mãe Clotilde, o pai, Milton]. Disse que quando lhe nasceu o primeiro filho, Clomilton lhe pergunta que nome  lhe daria: Joaquim, responde Ariano.

Clomilton estranhou que um homem “estudado” como Ariano pusesse um nome tão comum no filho. Ariano pergunta que nome Clomilton pusera no filho dele, que nascera há alguns meses: Walton Alighieri, responde Clomilton. Um nome de respeito.

Ariano conta outro “causo” acontecido com o mesmo Clomilton, que era gago. Um dia Ariano liga para seu trabalho, atende Clomilton:

– Aaalô.
– Clomilton, Ariano.
– Peraí que eu vou chamar.
– Mas, Clomilton, é Ariano.
– Deixa de ser avexado, já tô indo chamar.
[Volta] – Ariano não está.
– Eu sei que ele não está.
– Se você sabe que ele não está, por que ligou?
– Clomilton, deixa de ser doido, é Ariano que está falando.
– Agora danou-se. Você liga para você mesmo e diz que o doido sou eu?
[Risos e aplausos]

Mais

? Todas as cadeiras do Cine São Luiz estavam ocupadas e ainda tinha gente sentada no chão.

? Lá pelo meio da palestra alguém leva uma bandeira do Estado do Ceará e cobre com ela a mesa que serve de apoio a Ariano. Ao fim da aula-show Ariano mostra a bandeira e a beija.

? A palestra foi entrecortada de aplausos. A cada frase, choviam palmas. Uma maneira meio besta de se comportar, eu acho, mas não é exclusidade do público cearense. Na Flip [Feira Literária de Parati], na palestra de Gay Talese, bastava ele abrir a boca para ser ovacionado [vi por vídeo]. Ariano merece respeito e aplausos, mas bater palmas a cada segundo, sei lá…

? O tema oficial da aula-show foi “Raízes populares da cultura brasileira”, no encerramento da 11ª Mostra Cariri de Cultura em Fortaleza.