Agentes do Estado, ou a mando deles, são os principais responsáveis pela violência contra jornalistas no Brasil.
Essa é uma das principais conclusões do relatório “Violência e Liberdade de Imprensa no Brasil”, relativo aos anos de 2007 e 2008, elaborado pela Comissão Nacional de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa da Fenaj [Federação Nacional dos Jornalistas].
O levantamento registrou 91 casos de violência contra jornalistas no país e foi apresentado na 2ª Conferência sobre Direitos Humanos de Jornalistas, organizado pela Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), realizado em Brasília, na semana passada. O evento teve o apoio da FIJ e do Solidarity Center.
Segundo o levantamento, a agressão e a censura são as principais formas de se tentar impedir o trabalho dos jornalistas no Brasil. Além da ação das políciais, o relatório anota: “Também é possível observar que a justiça tem sido cada vez mais utilizada para impedir o trabalho da imprensa no Brasil”, mostrando que o número de tentativas de censura e processos judiciais cresceu de 35% para 37%.
Foram registrados casos de assassinatos, agressões físicas e verbais, ameaças, detenção e tortura, censura e processos judiciais, atentados, desrespeito ao sigilo da fonte e violência contra organização sindical.
A região Sudeste – mais precisamente o Estado de São Paulo – é a campeã, em 2007 e 2008, no ranking nacional das agressões contra jornalistas. O estudo mostra os casos de violência contra jornalistas distribuídos por estados e regiões. E revela que os profissionais de texto são os que mais sofrem agressões.
Para a montar o relatório foram examinadas denúncias e informações recebidas pelos sindicatos de jornalistas e pela Fenaj, além de pesquisa em veículos de comunicação de todo país. [Informações do portal da Fenaj]
O relatório completo pode ser visto aqui, em pdf.
Veja o “Desdobramento de casos antigos” referentes ao Ceará.
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4 de dezembro – A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no dia 4 de dezembro de 2008, atribuir competência ao Tribunal do Júri para processar a ex-prefeita de Limoeiro do Norte (Ceará), Maria Arivan de Holanda Lucena, pelo assassinato, a 30 de junho de 2003, de Nicanor Linhares Batista, proprietário da Rádio Vale do Jaguaribe na mesma cidade. . A ex-prefeita é acusada, juntamente com seu marido, o juiz federal José Maria de Oliveira Lucena, da autoria intelectual da morte do jornalista, baleado por dois indivíduos nos estúdios da sua rádio. . No total, nove pessoas foram acusadas pelo mesmo crime, das quais sete em 2006.
São Paulo
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Jornalistas da Rede TV! TV Jangadeiro e um repórter-fotográfico do Diário do Nordeste
4 de janeiro – Uma colisão envolvendo um veículo BMW do capitão da PM Francisco Ednei Pereira dos Santos e um caminhão que descarregava gelo em um bar, em Fortaleza provocou congestionamento e confusão com a imprensa. O motorista que dirigia o caminhão, Weber Assis, disse ter sido agredido pelo oficial com murros, versão confirmada por testemunhas. Quatro viaturas do Comando Tático Motorizado (COTAM) da PM foram mobilizadas ao local.
Os jornalistas foram agredidos por um policial militar, que tentou tomar as câmeras de filmagem e até prender os profissionais. O fotógrafo do Diário do Nordeste tentou registrar o ocorrido e teve sua câmera quebrada, também houve tentativa de tomar as câmeras de filmagem e de prisão dos profissionais.
A FENAJ e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará (Sindjorce) repudiaram a agressão do capitão da PM Francisco Ednei Pereira dos Santos, assim como o comportamento do sargento do Cotam J. Lopes, que tentou impedir a cobertura jornalística do caso.
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8 de junho – A cidade de Santana do Acaraú (CE) ficou sem energia elétrica no momento que o programa Fantástico, da Rede Globo, exibia denúncias de corrupção em licitações feitas pela prefeitura. Os 25 mil moradores de Santana do Acaraú não conseguiram assistir à reportagem. De acordo com a companhia energética do Ceará, o corte de energia foi causado por um ato criminoso. Um curto-circuito deixou a cidade sem luz por mais de uma hora.
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13 de setembro – O diretor do Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce), Aloísio Coutinho, o Blau, foi demitido do Sebrae. O motivo alegado pela empresa para efetivar a demissão de Coutinho seria o fato de ele não ser um empregado do Sebrae, mas de uma empresa terceirizada, de nome Serval.
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Wellington Macedo
22 e 23 de abril – O repórter-fotográfico, a serviço do jornal da Prefeitura de Sobral, estava designado pela Secretaria de Habitação do Município para fotografar duas noivas que desfilaram com vestidos confeccionados com material reciclável foi expulso do 1ª Noivas e Festas de Sobral. A coordenadora do evento alegou que o fotógrafo não era bem vindo à feira de noivas, que não havia sido convidado e que o evento já tinha um fotógrafo exclusivo. Na segunda noite do evento Violência e Liberdade de Imprensa no Brasil – Relatório FENAJ 2007/2008
Wellington Macedo voltou levando uma liminar. Apesar de o documento lhe dar direito de acesso, Wellington Macedo foi ofendido com palavrões e novamente cercado por seguranças na tentativa de intimidá-lo, Macedo ainda foi agredido fisicamente e durante todo o evento passou pelo constrangimento de ser acompanhado de perto por cinco seguranças que o proibiam de fotografar seguindo ordens da coordenadora do evento.
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Marcos Peixoto e Gustavo Pelizon
22 de abril – No mesmo dia 22, em Fortaleza, os jornalistas, que cobriam o primeiro dia de greve dos trabalhadores da construção civil, denunciaram ao Sindjorce ter sido agredidos verbalmente pelos grevistas. Segundo relato, Pelizon teria sido ameaçado de agressão física ao tentar fotografar as ações dos manifestantes durante os piquetes. . De acordo com Marcos Peixoto, um diretor não identificado do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil teria incitado os manifestantes contra os jornalistas informando que a equipe de reportagem do Diário do Nordeste estaria “a serviço dos patrões”.
Prezado Plínio,
A propósito do assunto permita-me postar aqui artigo do dr. Dallari:
O DIREITO NA IMPRENSA
Estadão, censura e autocensura
Por Dalmo de Abreu Dallari em 14/10/2009
Perguntar a alguém, mesmo que não seja da área jurídica, o que acha da censura imposta à imprensa é esperar uma resposta óbvia: todos são contrários à censura, já por configurar uma restrição antidemocrática, mas também porque a Constituição brasileira estabelece expressamente, no artigo 5º, inciso IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística,científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Esse dispositivo conjuga-se com o que estabelece a Constituição no capítulo referente à “Comunicação Social”, no artigo 220, parágrafo 2º, segundo o qual “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Entretanto, é igualmente importante considerar que a Constituição nesse mesmo artigo, em seu parágrafo 1º, dispõe que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo5º, IV, V, X, XIII e XIV”.
É de fundamental importância ressaltar o disposto no inciso X desse artigo, onde está expresso que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, enquadrando-se nessa proteção à intimidade e à vida privada a proibição de interceptação de comunicações telefônicas.
Considerando, porém, que em circunstâncias excepcionais a violação dessa proteção pode ser de grande importância para a defesa de direitos fundamentais de alguma pessoa ou de toda a sociedade, existe previsão legal da invasão da intimidade pela autoridade policial que esteja procedendo a uma investigação criminal, com prévia autorização judicial. Mas o Juiz que autorizar essa invasão da privacidade poderá também determinar que os dados assim obtidos permaneçam sigilosos para o resto da sociedade, enquanto perdurar a investigação. Isso porque já ocorreram muitos casos de denúncias infundadas, inspiradas nas mais diversas motivações, além do que a publicidade antecipada pode prejudicar seriamente uma investigação.
Defesa as intimidade
Está ocorrendo neste momento uma situação que envolve essas questões e que deve ser analisada com atenção e cuidado, para que a avaliação dos fatos seja feita com prudência e justiça. Trata-se da proibição imposta por decisão judicial ao jornal O Estado de S.Paulo, quanto à divulgação de dados constantes de uma investigação policial em curso na Polícia Federal.
Alega o jornal que está ocorrendo censura inconstitucional e antidemocrática, pois estaria impedido de publicar dados sobre irregularidades cometidas pelo empresário Fernando Sarney. Muitas pessoas ouvidas pelo jornal, inclusive eminentes personalidades da área jurídica, fizeram pronunciamentos veementes, alguns criticando duramente a decisão judicial, embora desconhecendo o seu teor.
Analisando-se o conjunto dos fatos, cabe aqui um sério reparo ao tratamento dado à matéria pelo jornal diretamente interessado. Com efeito, embora a decisão judicial seja de 30 de julho e não obstante estar dedicando grande espaço ao assunto, diariamente, até agora o jornal não publicou o texto da decisão que proibiu a divulgação de dados.
A notícia divulgada tem sido no sentido de que o juiz proibiu a divulgação de qualquer fato relativo às atividades de Fernando Sarney, com a insinuação de que a proibição abrange toda a família Sarney. Como tem ficado óbvio, nenhum dos que opinaram sobre a proibição sabe exatamente o que foi proibido. E no entanto nada impedia nem impede o jornal de publicar o inteiro teor da decisão judicial. Com efeito, diz o referido artigo 5º da Constituição, no inciso LX, que “a lei só poderá restringir a publicidade de atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
Investigação criminal
No caso em exame a decisão judicial não foi declarada sigilosa – e para comprovação de que são livres o acesso àquela decisão e sua publicação passo a transcrever o trecho que interessa aos presentes comentários, e que obtive sem qualquer dificuldade: decidiu o Tribunal “determinar ao agravado [o jornal] que se abstenha quanto à utilização – de qualquer forma, direta ou indireta – ou publicação dos dados relativos ao agravante (Fernando Sarney) eis que obtidos em sede de investigação criminal sob sigilo judicial”.
Como está bem claro, só ficou proibida a publicação dos dados obtidos durante a investigação sigilosa. Nada impede a publicação da decisão judicial, como também a publicidade de todos os dados que forem obtidos sobre a pessoa e os negócios de Fernando Sarney, desde que obtidos por qualquer outro meio que não a investigação criminal sigilosa.
A omissão dessa publicidade é uma autocensura e censura do jornal aos leitores.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=559JDB007