Feriado do Carnaval – para quem não cai no furdunço – também serve para isto: dois posts abaixo publiquei um poema, “Os turistas”, de João Cabral de Melo Neto – garimpado em “Andando Sevilha” -, que estava relendo. Achei adequado fazer uma homenagem aos que visitam o Ceará neste período.

Agora, olhando novamente “Bom dia para nascer”, reunião de crônicas que Otto Lara Resende publicou na Folha de S. Paulo, deparei com “Silva, os ilustríssimos” – e lembrei-me de quando Lula assumiu pela primeira vez a Presidência da República a conversa sobre o fato simbólico de um “Silva” sobrenome de gente comum, do povo, ter assumido o mais alto cargo público do país.

O texto de Otto traz, de bônus, a citação do trecho de uma crônica de Rubem Braga, de 1935, falando da suposta desimportância do sobrenome: “Os Silvas somos nós. Não temos a mínima importância”.

Otto, em sua crônica de 1992, contesta. Mostra que o negócio não é bem assim. Pesquisou e descobriu 118 Silvas “ilustríssimos”, incluindo três presidentes da República: Artur [da Silva] Bernardes Filho; Jânio [da Silva] Quadros e Costa e Silva. Se ainda fosse vivo, Otto acrescentaria o mais novo Silva a integrar a galeria dos presidentes: Luiz Inácio Lula da Silva.

Veja a crônica

Silvas, os ilustríssimos
Otto Lara Resende

Estava pensando outro dia no caso de escritores que um dia decidem sair de cena e param de escrever, numa versão do silêncio do Rimbaud. Conquistam espaço nas letras cativam o público e, de repente, adeus. Como dizi um doido lá em Minas, recolhem-se à biblioteca de seu ser. Há os que, não sendo bem-sucedidos, o que não é critério de valor, se calam meio amargos, meio desdenhosos.

Aos dezessete anos, ainda no Recife, Aguinaldo Silva foi uma revelação de ficcionista. Marques Rebelo o indicou ao Fernando Sabino, que, com o Rubem Braga, lançou o seu livro de estreia na Editora do Autor. Repercutiu, bem acolhido, e no sexto volume de A literatura do Brasil, seu nome é arrolado entre os novos autores pelo seu “grande desembaraço narrativo”.

Depois de uma passagem vitorioso pelo jornalismo, em particular pela reportagem policial, Aguinaldo se distinguiu na dramaturgia da televisão. Acusado de plagiário, assina “Pedra sobre pedra”, que na Rede Globo alcança altíssimos índices de audiência. Com bom humor, declara ele agora que, como sessenta milhões de espectadores só aceita crítica de Deus. Aureolado entre os deuses da mídia eletrônica, tem o dom de bolar a trama que o povão consome e adora.

Então, por que falam mal dele? Dirá um que é porque faz sucesso. Dirá outro que é porque ganha dinheiro. Ele próprio diz que a situação do escritor no Brasil não é nada estimulante. Então, desistiu da alta literatura e optou por ser um telenoveleiro. Escreve para isso mesmo – para entreter e fazer sucesso. Seu karma, porém, diz ele é o sobrenome Silva, o destino plebeu dos Silva.

Mas aqui o Aguinaldo está plagiando o Rubem Braga da crônica “Luto na família Silva”, de 1935. Lá, diz o Rubem: “Os Silva somos nós. Não temos a mínima importância. Saímos da vala comum da vida para o mesmo local da morte. Até as mulheres que não são de família pertencem à família Silva”. Sucede que contei no Dicionário Historiográfico-Biográfico cento e dezoito Silvas ilustrí­ssimos, do Patriarca José Bonifácio a três presidentes da República: Bernardes, Jânio e Costa e Silva. Só gente importante e poderosa. No Dicionário Literário Brasileiro, contei também setenta e um Silvas. Lá só não figura, omissão a corrigir, o próprio Aguinaldo. Ou seja: karma do sobrenome não é. Silva é como Smith. Comum, mas ilustríssimo.