Uma das dificuldades que se tem com novos jornalistas é explicar-lhes que o texto tem de ser claro, direto, objetivo e “autoentendível” [parece óbvio, mas não é]. Muitas vezes – quando editor -, ao perguntar o que queria dizer certa passagem da matéria a repórteres, recebia resposta bastante clara, mas impossível deduzi-la com a leitura da matéria. “Então torne o texto mais claro, pois você não terá como ir à casa de cada leitor explicar o que quiz dizer”, sugeria.

Às turmas de Novos Talentos [curso do O POVO para novos jornalistas], costumo mostrar-lhes as recomendações de alguns escritores [ver abaixo] e indico doses exageradas de Graciliano Ramos, “a palavra não foi feita para enfeitar…”

Bem, mas o condenável nariz-de-cera foi para introduzir [vixe!] o texto bem-humorado de Ivan Lessa, colunista da BBC Brasil.

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Pára excrever mau
Ivan Lessa
Colunista da BBC Brasil

“Escrever é a arte de cortar palavras”, sentenciou sabiamente de certa feita o magnífico poeta Carlos Drummond de Andrade.

E aí está uma frase que é um perfeito exemplo de várias coisas erradas em matéria de se escrever, se não bem, ao menos direitinho.

Primeiro lugar, basta Drummond. O resto do nome todo mundo conhece e o contexto esclarece. Segundo, ele não qualificou como “arte” a tarefa. Enxuto como era, tanto o homem quanto seu estilo, foi direto ao assunto. Terceiro, o verbo empregado: sentenciar. É “disse” ou “escreveu” ou não é nada. Terceiro lugar, aquele “sabiamente”. Advérbio? Próximo a Drummond? Além do mais, advérbio em “mente”? Nunquinhas. “De certa feita” esclarece o quê? Por quê adjetivar o homem e sua profissão com “magnífico poeta”? Cortemos, pois, conforme aconselhados. “Escrever é cortar palavras”, disse Drummond. Ponto. Parágrafo.

Veio-me à mente a recomendação de nosso poeta porque andei lendo de novo as “Dez Regras Para se Escrever”, conforme Elmore Leonard, escritor americano de romances de faroeste e policiais de alto cacife estilístico não só entre seus leitores, entre os quais me encontro, como também de escritores de qualquer gênero, mesmo os ditos “sérios”.

Escrever é botar (nunca “colocar”) uma palavra depois da outra. Disso sabemos. Mas há outros mandamentos que fogem a um rigor específico. Arrumar um bom contador, abster-se do sexo e do uso indevido dos símiles, são três coisas que já vi dando sopa por aí. Por hoje, limito-me a mais ou menos catar e adaptar alguns dos dez mandamentos de Elmore Leonard, escritor bastante publicado no Brasil, onde – e espero que ele não saiba disso – deu o azar de ter romance traduzido como “Freaky Deaky, A Dança Frenética”. A uma versão Reader´s Digest, pois, das tábuas da lei de Elmore Leonard.

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Nunca começar um livro descrevendo o tempo. O leitor tende a passar por cima em busca de gente. Evitar prólogos: eles dão nos nervos, principalmente quando vêm após uma introdução que se segue a um prefácio. John Steinbeck escreveu um prólogo para seu Doce Quinta-feira, mas aí tudo bem, uma vez que uma personagem do livro deixa claro que gosta de muita conversa nos livros que lê e odeia que lhe digam como é o homem ou a mulher que está falando, já que prefere ver como é que as pessoas são pelo modo como falam.

Nunca usar outro verbo que não seja “disse” para levar adiante um diálogo. Diálogo é a personalidade do personagem, verbo é o escritor se metendo no papo. Nada de “exclamou”, “interveio”, “murmurou” e em especial “obtemperou”. Nunca usar advérbio para modificar o verbo “disse”. Assim usado, advérbio é pecado mortal.

(Num de seus romances, Elmore Leonard bota na boca de um personagem a frase de que determinada senhora costumava escrever romances históricos cheios de “estupros e advérbios”.)

Continuando: nunca usar “de repente” ou o equivalente a “e aí foi um Deus nos acuda”. Limite-se a contar. Tomar o maior cuidado com o emprego de dialetos regionalistas. Evite descrever personagens. No conto Elefantes Como Colinas Brancas, Hemingway não vai além de adiantar que a mulher usava chapéu. Só. Nenhuma descrição física de ninguém. (O conto, que é só diálogo, entre um homem e uma mulher, tem ainda algo extraordinário que Elmore Leonard não menciona. A uma certa altura, a mulher pede para que o homem se cale. No original, são sete please sem vírgulas. Uma firula antológica datada de 1927.) Uma descrição pode impedir o fluxo de uma narrativa, paralisar a ação.

Os pontos de exclamação devem ser controlados ao extremo. Um escritor tem direito a apenas dois ou três a cada 100 mil palavras de prosa. A não ser que você seja o Tom Wolfe e tenha perfeito comando dessa pontuação.

E, por fim, uma coisinha importante: tentar deixar de fora as partes que os leitores pulam. Basta pensar no que você passa por cima quando lê um romance: aqueles parágrafos estourando de tanta prosa (atenção, José Saramago!).

Elmore Leonard diz que sua regra mais importante é uma que resume todas dez: se soa a coisa escrita, ele vai e reescreve tudo.

Escritores ensinam como escrever melhor.

Escritores ensinam como escrever melhor

George Orwell

>   Nunca use chavões, metáforas ou outras figuras de linguagem que você esteja acostumado a ver na imprensa.
>  Nunca use uma palavra longa onde uma curta é suficiente.
>   Se for possível cortar uma palavra, sempre a corte.
>   Nunca use a voz passiva se puder usar a ativa.
>   Nunca use uma frase estrangeira, um termo científico ou um jargão se você consegue pensar em um equivalente comum.
>   Quebre qualquer destas regras antes de escrever alguma barbaridade.

Ernest Hemingway

>   Use frases curtas.
>   Inicie com um parágrafo curto.
>   Escreva com vigor.
>   Escreva positivamente. [Diga o que é, em vez de dizer o que não é]

Stephen King

>   Vá direto ao ponto.
>   Escreva um rascunho e deixe decantar.
>   Corte seu texto. [King fala em cortar 10% do total; conselho que ele diz ter recebido, depois de ter um texto seu rejeitado. Ele diz, então, que passou a cortar seus textos nessa proporção. E vejam que sucesso ele conseguiu. : )] >   Remova palavras, frases e capítulos supérfluos.
>   Leia muito.
>   Escreva muito.